Supermercados tentam conquistar clientes pela emoção

Inspiradas nos mercados tradicionais, as grandes cadeias de distribuição estão a remodelar as lojas para enaltecer a comida “de verdade” e transformar os hipermercados em espaços de lazer.

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A iluminação é estudada ao pormenor, conforme a tipologia dos produtos que estão a ser vendidos Jornal PÚBLICO

Para comprar seis maçãs, os portugueses tocam, em média, em 17. Gostam de sentir a firmeza da fruta, observá-la, cheirá-la, antes de seleccionar e pagar. No talho, escolhem o pedaço com mais cor, pedem para tirar as gorduras desnecessárias. Na peixaria, regateiam pelo peixe mais fresco, de olhos brancos e pele brilhante. Fazem uso dos cinco sentidos. Comprar comida é muito mais do que um acto racional e a preocupação com os hábitos de vida saudável elevou a fasquia aos retalhistas. Nos hiper e supermercados há, por isso, uma subtil mudança em curso.

As luzes artificiais e iguais em todos os corredores, atulhados de produtos, já não fazem parte dos novos projectos de lojas, onde os metros quadrados estão a encolher discretamente e surgem cantos com sofás, caves de vinho ou padarias onde se faz o pão ao vivo e a cores. Os mercados tradicionais, com as suas cores, odores e sons, inspiraram a mudança. O estímulo aos sentidos e a ligação à comida ganharam protagonismo.

Se, antes, no talho do Continente a carne era cortada de costas para o balcão, agora os trabalhadores estão frente a frente com o consumidor. No Pingo Doce de Telheiras, a loja que diz recriar um “mercado de sabores”, há uma tasca onde são feitos petiscos ao vivo e um cheiro a comida acabada de fazer. No Lidl de Sacavém, a padaria está logo à entrada, dando também a ideia de algo “feito na hora”.

A cadeia de retalho alimentar da Sonae (grupo dono do PÚBLICO) está a remodelar os hipermercados à luz do conceito que denomina “hiper do futuro”. No Continente do Centro Comercial Colombo, em Lisboa, Luís Tomás, director da loja, faz uma visita guiada ao espaço, inaugurado em 1997 com 16.500 metros quadrados. Depois das obras concluídas em Agosto do ano passado, a área disponível diminuiu mais de 30%.

“A área actual é de 11.133 metros quadrados. A intenção não foi reduzir a área de venda, mas potenciar a experiência de compra dos clientes, tornar a loja mais atractiva, mais agradável. Continua a ter a gama diferenciadora, frescos de origem nacional, passando a mensagem de protecção da produção nacional e recriando um mercado tradicional”, diz, percorrendo o hipermercado que recebe 380 mil visitantes por mês. A ideia é diminuir a percepção de grandeza e “facilitar a compra, torná-la mais atractiva”.

O estímulo ao consumo começa logo na entrada, onde são dispostos artigos de beleza e cosmética. Há vernizes coloridos à mão de semear, perfeitos para uma compra de impulso. Os trabalhadores daquela área tornaram-se especialistas em maquilhagem e esta tendência estende-se à zona dos vinhos, onde há cinco pessoas com treino em enologia para garantir um “atendimento personalizado”. A intenção é ter uma loja dentro da loja, o conceito “store in store” que cria espaços diferenciados dentro do hipermercado. Na zona de vestuário há cabinas de provas, na Wells (a óptica e parafarmácia da Sonae) é possível fazer massagens. Na área dos produtos para animais, aumentou-se a oferta de acessórios e comida para animais menos convencionais. Luís Tomás garante que os gastos com alimentação de coelhos, hámsteres ou peixes, por exemplo, aumentaram, justificando o alargamento da gama.

A iluminação também foi estudada ao pormenor. Mais quente na zona dos livros, onde há lugar para sentar e ler, mais fria e asséptica na peixaria, para dar um “ar de frescura ao peixe”, limpo e amanhado ao pé do cliente. “A iluminação foi toda alterada. Para cada produto, há uma iluminação”, pormenoriza o director. A proximidade com os produtos também tem importância renovada: reduziu-se a altura das prateleiras.

Luís Tomás compara a área alimentar a uma praça tradicional, repleta de frutas, legumes, especiarias e leguminosas vendidas a granel, “onde é possível sentir diferentes cheiros”, algo que, antes, “não se trabalhava”. Privilegiam-se os odores naturais. “A intenção é o cliente sentir a frescura do produto e promover a apetência de compra”, vai contando o responsável, negando que sejam usados odores artificiais.

No talho, a carne é cortada de frente para o cliente (antes era de costas) e nas vitrinas as peças dispostas vão sendo pulverizadas com água. O móvel é mais baixo, tal como sucede na zona do take away, onde a comida está mais visível. A padaria já confecciona 85 a 90% do pão que é vendido na loja e todo o processo de fabrico pode ser observado através de uma extensa janela de vidro.

O tipo de produtos também tem vindo a mudar: a zona de biológicos e alimentos saudáveis tinha cerca de 600 referências e passou, agora, a ter 2000. Há sumo feito na hora e a gama de queijos é cada vez maior, “com um aumento da gama de estrangeiros”.

Em Telheiras, Lisboa, o Pingo Doce instalou o seu hipermercado de referência. São seis mil metros quadrados de área de venda onde cerca de 60% dos clientes que chegam durante a manhã tomam o pequeno-almoço antes das compras. Paulo Dias, de 51 anos, o gerente da loja da Jerónimo Martins, explica que o palco principal é ocupado pelos frescos, que abrem logo caminho à entrada da loja, e estão dispostos em cestas, organizados por cores e tipos. “Há um planograma para a disposição dos legumes que é definido pela companhia”, explica, sublinhando que “as frutas e legumes são a base do Pingo Doce” e, por isso, foram colocados logo à entrada.

Os citrinos têm lugar de destaque “por uma questão olfactiva” (os odores influenciam decisões de compra). Também há sumos feitos na hora, incluindo os “detox” que misturam legumes e fruta, feitos a pedido do cliente. E, bem perto, uma pequena banca, a “tasquinha” de onde podem sair umas ameijoas à Bulhão Pato.

“Esta loja recebe clientes de Cascais, Sintra, da margem Sul que estão dispostos a deslocar-se para fazer compras. O talho, por exemplo, é quatro vezes maior e os tempos de espera diminuíram em dois terços. Foi dada prioridade ao conforto na compra, um hipermercado sem obstáculos e amplo”, explica Paulo Dias.

Não é um conceito que se replique em todos os Pingo Doce, até porque a larga maioria é de menor dimensão. Em Telheiras, a cadeia do grupo Jerónimo Martins quis mostrar os melhores produtos, aumentou a gama e apostou em especialidades. “Teremos 22 mil referências, possivelmente. Na Pura Vida [comida saudável] serão três mil itens e em constante alteração”, continua.

O foco é na conveniência: tudo é pronto a comer, pronto a cozinhar, pronto a consumir. E de preferência feito na hora e com ingredientes “reais”. “O pão é feito na loja e à vista”, exemplifica.

O gerente do Pingo Doce de Telheiras elogia a “equipa fabulosa” com que trabalha, composta por 1400 trabalhadores graças à zona de restauração onde há pizas e massas feitas ao momento, peixe, carne grelhada e sushi. Depois da remodelação do hipermercado (um antigo Feira Nova), Paulo Dias garante que houve “um aumento significativo de clientes e da média de compra”.

Mesmo quando em causa não está a criação de um conceito único, como é o caso do Pingo Doce de Telheiras, os maiores retalhistas têm adicionado novas áreas às lojas. O grupo Auchan, dono do Jumbo, aumentou a área de produtos biológicos e de alimentação saudável e criou bancas de sushi para levar para casa. No Lidl, a padaria é a coqueluche, diz Vanessa Romeu, directora de comunicação e responsabilidade social. “Sente-se logo o cheiro a pão quente e a pastelaria. Tudo é feito em função do consumo de cada loja”, destaca.

No supermercado de Sacavém, um dos que foram remodelados, há uma cafetaria mesmo à entrada, algo que só será adoptado em lojas de maiores dimensões. A mudança começa na “linguagem de proximidade” que se lê nos cartazes que decoram o espaço, um conceito internacional mas adaptado a cada país. “Sinta-se em sua casa”, apregoa um deles.

A organização mantém-se, há mais espaço entre os corredores e uma melhor “arrumação” dos produtos. Um gestor de frescos faz a vistoria permanente ao estado das frutas e legumes e Vanessa Romeu sublinha que o objectivo é sempre o mesmo: “Facilitar a vida ao cliente”.

Há um foco “no tempo que as pessoas gastam em compras” e, por isso, “quanto mais agradável for, melhor”. “Mantemo-nos fiéis à simplicidade e eficiência que é o conceito do Lidl”, continua a responsável, sublinhando que a cadeia alemã deixou de lado o conceito de hard discount que sempre a caracterizou. Nas prateleiras é dada primazia às marcas próprias e ao líder de mercado da indústria, mas há agora “vinhos exclusivos e premiados” e um aumento da área disponível para produtos não alimentares. A marca própria de cosmética, por exemplo, teve um novo investimento, com prateleiras mais cuidadas e o “marketing olfactivo” a funcionar quando os clientes passam.

Tudo para enaltecer emoções e estimular os sentidos, numa altura em que o aumento do rendimento das famílias impulsiona o consumo, depois de anos de travão nos gastos.

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