Galp e fisco, um braço-de-ferro ainda sem fim à vista

Vai a caminho dos quatro anos o conflito entre a Galp e o Estado a propósito da taxa extraordinária da energia. Dívida já ronda os 200 milhões de euros.

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O presidente da Galp, Carlos Gomes da Silva, no dia em que a empresa assinalou os dez anos em bolsa Nuno Ferreira Santos

A contribuição extraordinária sobre o sector energético (CESE), que na sua versão inicial foi anunciada como uma taxa para ser aplicada à EDP, veio a revelar-se um verdadeiro braço-de-ferro entre a administração fiscal e a Galp.

Não será com certeza o único processo que a Galp e o fisco têm pendente na justiça, mas é certamente o mais mediático (não foi por acaso que as câmaras de televisão “surpreenderam” os inspectores das finanças à entrada da sede da companhia, em Lisboa, em Novembro de 2014, quando acabou o prazo de pagamento da taxa referente a esse ano).

Desde o primeiro momento, a petrolífera controlada por Américo Amorim manifestou a sua oposição à contribuição introduzida pelo Governo de Pedro Passos Coelho. Pela voz de Manuel Ferreira de Oliveira, primeiro, pela de Carlos Gomes da Silva, depois, a liderança executiva da empresa tem reafirmado, ano após ano, que considera a CESE ilegal.

E desde o primeiro ano, a estratégia seguida tem sido a mesma: recusar o pagamento, constituir garantias bancárias para evitar a situação de incumprimento fiscal e avançar para tribunal. Isto em contraste com a bem-comportada EDP, que aceitou pagar a taxa durante três anos (embora já este ano tenha ido para tribunal contestar) e a meio caminho na estratégia da REN, de pagar primeiro e contestar depois.

Ao todo, e feitas as contas por alto, com base quer nos valores que foram divulgados pela empresa quando a taxa foi anunciada, quer pelo Governo (o de Passos Coelho e o de António Costa) com os posteriores alargamentos da CESE aos contratos de gás natural, a dívida da Galp ao fisco poderia aproximar-se este ano dos 300 milhões de euros. Mas verdade seja dita, o valor nunca foi confirmado nem pela empresa, nem pelo Estado. E os montantes que têm sido provisionados pela Galp são muito menores - em 2014, foram 25 milhões, valor que duplicou em 2015 e 2016, depois de a CESE ter sido alargada aos contratos de aprovisionamento de gás natural.

Embora venha reconhecendo provisões para fazer face à CESE, nos documentos de prestação de contas a petrolífera faz a salvaguarda de que “a contabilização efectuada em relação à CESE decorre da estrita aplicação dos normativos contabilísticos”, pois entende que “as disposições legislativas respeitantes à CESE são violadoras da lei, não sendo os montantes em causa exigíveis”.

Em 2013, quando a taxa foi anunciada (aplicada numa primeira fase apenas aos activos de distribuição de gás natural e refinaria), a Galp admitiu que o impacto poderia chegar aos 35 milhões de euros. Mais tarde, haveria de rever o valor em baixa, para um valor algures entre os 25 e os 30 milhões de euros. Uma das principais críticas da empresa foi, desde logo, o facto de a contribuição ser aplicada não só aos activos regulados (aqueles que têm remunerações garantidas através das tarifas), mas também aos activos da actividade de refinação, que operam em regime de concorrência com outros operadores que não estão sujeitos ao pagamento de taxas.

O desagrado foi ainda maior quando, em 2015, o Governo PSD/CDS introduziu uma novidade: um imposto de 50 milhões de euros a liquidar em três anos, até 2017, sobre os ganhos obtidos pela empresa com a revenda nos mercados internacionais do gás natural comprado à Nigéria e à Argélia com os contratos que assinou enquanto era uma empresa pública. Mais uma vez, a Galp contestou a taxa, que nesse ano, no total, seria o suficiente para pagar cerca de 80 milhões de euros.

Em 2016 a história repetiu-se e nada leva a crer que 2017 seja diferente, a não ser com uma pequena nuance: a factura da Galp com a CESE do gás natural ter-se-á agravado em mais 25 milhões de euros, graças a uma proposta dos deputados do PS no processo de aprovação do Orçamento do Estado (OE), agravando o bolo anual para um total em torno de 100 milhões.

Este agravamento foi sustentado por umas contas feitas no final do ano passado pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), a pedido do secretário de Estado da Energia, com base nos contratos de compra de gás à Argélia e à Nigéria.

Com base nestes documentos, a ERSE calculou que, entre 2010, e até 2026, a Galp irá registar “ganhos comerciais” de “cerca de 1158 milhões de euros” até 2026 com a revenda deste gás. Uma projecção de potenciais ganhos que “não tem qualquer adesão com a realidade”, queixou-se então a Galp.
 

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