The Good Wife, a série média acima da média, chega agora ao fim

Foram sete anos de Alicia Florrick, advogados, política e romances. Sem spoilers, Julianna Margulies diz ao PÚBLICO que a sua série “fez os chefes da TV generalista terem menos medo” de desafiar o público.

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Christine Baranski, aqui com Margulies na temporada de estreia, vai ter a sua própria série © 2015 CBS Broadcasting Inc
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Chris Noth e Margulies na primeira temporada © 2015 CBS Broadcasting Inc
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Michael J. Fox e Julianna Margulies na primeira temporada da série © 2015 CBS Broadcasting Inc
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A primeira temporada estreou-se em 2009 © 2015 CBS Broadcasting Inc
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Archie Panjabi como Kalinda na primeira temporada © 2015 CBS Broadcasting Inc
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Imagem da última temporada © 2015 CBS Broadcasting Inc
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Jeffrey Dean Morgan na última temporada © 2015 CBS Broadcasting Inc
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A sétima e última temporada © 2015 CBS Broadcasting Inc
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Alan Cumming na última temporada © 2015 CBS Broadcasting Inc

Hillary Clinton é fã, Michelle Obama esteve para ter uma participação especial, os políticos adoram-na – mas esta é uma série de advogados, conta Julianna Margulies, a ex-enfermeira de Serviço de Urgência que nos últimos sete anos foi a advogada Alicia Florrick em The Good Wife. “Na sua maioria, os políticos são advogados em recuperação”, ri-se, para decretar que, afinal, The Good Wife “é uma série para pessoas que pensam”. Seja qual for o destino de Alicia – não há spoilers nem referências à última temporada na conversa que temos com a actriz , esta noite, às 23h15 na FoxLife, desaparece uma série que nasceu para ser parte da média mas que se revelou acima da média.

The Good Wife pertence a uma espécie aparentemente muito comum. É uma série de um canal generalista, feita para o grande público, longa e da estirpe dos procedurals de advogados (também há os de médicos ou polícias). Mas desde a sua estreia, há sete anos, preencheu um espaço peculiar – o das séries generalistas de qualidade, mais sofisticadas do que blockbusters vizinhos como NCIS ou Mentes Criminosas –, que abriu portas para títulos mais recentes (e mais noveleiros) como Empire, Scandal ou mesmo Downton Abbey.

Na hora da despedida (chegou ao fim dia 8 nos EUA), foi esta a tónica de alguns epitáfios da história que começou a partir de uma imagem comum na política americana: a boa esposa (Alicia) que fica ao lado do marido (Peter, por Chris Noth) após um muito público escândalo de adultério e/ou outros crimes. Questionada sobre a relação dos políticos com a série, Margulies fala de uma mulher que já passou por este tipo de situação, Hillary Clinton, de cuja corrida à Casa Branca é apoiante, mas também revela que “Silda Spitzer não vê a série". "E percebo perfeitamente”, acrescenta sobre a ex-mulher do ex-governador Eliot Spitzer, participante de uma dessas photo opps após o escândalo sexual que levou à sua demissão em 2008.

Política, justiça e romance à parte, elementos de que a série se alimentou semanalmente, The Good Wife foi muitas vezes a representante solitária dos canais em sinal aberto nos prémios anuais do sector. Competiu na categoria de drama com Mad Men ou Breaking Bad sem nunca ganhar um Emmy ou um Globo de Ouro (em compensação, os actores receberam várias distinções). No fundo, com séries de canais de TV por subscrição mais curtas (os dez episódios por temporada de Guerra dos Tronos, True Detective ou Segurança Nacional, ou os 16 de The Walking Dead), mais densas e, embora nunca tão vistas quanto as que vivem nos canais generalistas – salvo a honrosa excepção de The Walking Dead , mais faladas, discutidas e arriscadas. Às vezes.

A série protagonizada por Julianna Margulies introduziu temas da actualidade como a vigilância da NSA, os drones, as bitcoin ou o Patriot Act, passando também pelo ateísmo e, claro, pela fidelidade. Teve actores convidados de renome, alguns dos quais vindos da Broadway (o crítico de TV do New York Times, James Poniewozick, defende que Michael J. Fox fez aqui o papel da sua carreira, por exemplo), e chamaram-lhe O Sexo e a Cidade feminista. Em sete anos de televisão em que a “televisão” mudou tanto, com streaming, diversidade nos temas e novos canais de distribuição e produção, “fez os chefes da TV generalista terem menos medo e programarem televisão que desafia, porem protagonistas mulheres no ar”, responde a actriz ao PÚBLICO num telefonema com imprensa de vários continentes.

“Vêmo-lo em Scandal com Kerry Washington”, exemplifica, “e o cabo aproveitou logo com Claire Danes [Segurança Nacional, Showtime], Robin Wright [House of Cards, Netflix] e Julia Louis Dreyfus [Veep, HBO]. Acho que abrimos portas para as séries generalistas”, defende. E para a percepção de que “as mulheres têm muitos fãs”. “Actualmente é um território equiparado, masculino e feminino. Já não há uma separação de género entre quem vê a série. Até o Howard Stern é um fã devoto. Quando conseguimos interessar o Howard Stern, sabemos que nos saímos bem."

"Uma anomalia"

Para o espectador internacional, o facto de The Good Wife ser uma série da CBS, casa de procedurals conservadores como CSI, e vizinha de outros generalistas como Castle ou Como defender um assassino (ABC) parece ter pouca importância – vê-as no cabo português, por exemplo. Mas nos seus EUA de origem as séries de canais generalistas têm limitações quanto ao que podem mostrar (sexo, drogas ou violência, por exemplo) e como o podem mostrar. Ainda assim, The Good Wife tentava o equilíbrio entre o lado de série de “prestígio” e a sua faceta procedural (a dos casos e dos tribunais) e, na sua qualidade, era mesmo “uma anomalia” do sistema televisivo, diz o crítico Daniel Fienberg na Hollywood Reporter. Claro que esteve longe da perfeição, com altos e baixos narrativos e, em parte, nunca tendo recuperado de duas perdas importantes – a saída de Josh Charles (Wil Gardner), por sua vontade, e de Archie Panjabi (Kalinda Sharma), por um nunca explicado problema entre Margulies e a actriz britânica.

“O prestige drama tornou-se o domínio exclusivo do cabo e dos serviços de streaming nos últimos anos”, escreveu Fienberg, e The Good Wife era um dos seus poucos porta-estandartes. O seu fim “também pode ser visto como a pedra tumular do paradigma dos 22 episódios por ano”, disse o co-criador da série, Robert King, à Rolling Stone.

Ele e a mulher Michelle King, que fizeram 156 episódios, queixam-se dessa desvantagem em relação às outras séries dramáticas. Têm um orçamento que permite contratar nomes sonantes, por exemplo, mas “é difícil manter uma voz ao longo de 22 episódios". Daí que "talvez [The Good Wife] seja a última [série do género], porque é um trabalho muitíssimo difícil”, reitera King, desta feita ao New York Times. “É muito difícil superarmo-nos 22 vezes e não nos tornarmos num melodrama. Scandal assume isso, e ainda bem. Não tenta viver na realidade. Mas se tentamos viver na realidade, como The Good Wife, é difícil”, completa Michelle King. E os actores, que preferem cada vez mais fazer televisão, querem fazê-la em curtas doses – Margulies diz que “não há dinheiro no mundo” que pague voltar a fazer uma série de 22 episódios por ano.

The Good Wife vai-se embora, num misto de vontade dos criadores e da CBS, mas gostaria de ter esmiuçado mais tópicos como o “populismo”, apesar de Margulies lembrar que tocaram “temas muito importantes [do último ano] como o direito às armas, a igualdade do direito ao casamento e o fenómeno louco de [Donald] Trump, que continua a ser incompreensível para pessoas esclarecidas”.

The Good Wife vai-se embora, mas como uma das grandes tendências do audiovisual norte-americano é “se este nicho resulta ou se este nome é conhecido, vamos explorá-lo”, nem tudo o que é The Good Wife se vai embora. Diane Lockhart, a potente advogada que desde a primeira temporada é uma das mais estimulantes correligionárias de Alicia, vai ter o seu próprio spin-off. E foi com a actriz que interpreta Lockhart que Margulies comentou a última cena do último episódio. “Olhei para a Christine Baranski e disse: ‘Bem, as pessoas ou vão adorá-la ou vão odiá-la. Mas decididamente não haverá meio termo’."

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