O testamento pode ser de Oliveira, mas a melancolia também é dos actores

O Velho do Restelo é uma curta-metragem melancólica que vai fazer multiplicar a palava “testamento”. O testamento pode ser de Oliveira, mas a melancolia também é dos actores.

A curta de Manoel de Oliveira passa em Veneza a 2 de Setembro
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A curta de Manoel de Oliveira passa em Veneza a 2 de Setembro DR
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Ver em cada filme que Manoel de Oliveira tem feito – e que ainda fará – uma cerimónia de testamento é um risco e é uma tentação. Pode sobretudo querer dizer que quem olha tem as expectativas excessivamente direccionadas. E no entanto é difícil resistir ao apelo que o novo filme de um realizador de 105 anos, uma curta-metragem que Veneza vai ver fora de concurso a 2 de Setembro, O Velho do Restelo (um filme dois anos depois de O Gebo e a Sombra), nos faz.

Veja-se, é tudo isto em cerca de 20 minutos: excertos de Amor de Perdição (1979), Non ou a Vã Glória de Mandar (1990), O Dia do Desespero (1992) e O Quinto Império (2004); Os Lusíadas em diálogo com o Dom Quixote, a água que devolve sem apelo o episódio da descrença e do cepticismo em Camões e as imagens da versão cinematográfica da obra de Cervantes feita por Grigori Kozintsev em 1957 (um bailado elegante e exangue); e depois a derrota, os amores frustrados; e a melancolia que não só não se disfarça como se fixa. O Velho do Restelo, caso possa assim ter parecido esta descrição, é algo como um best of  de Manoel de Oliveira?

Podia ser. É verdade que as imagens dos filmes dos anos 1970 e 1990 são Oliveira no seu bestAmor de Perdição, então, mantém uma determinação e uma solidão formal que ainda intimida, e isso vê-se nem que seja em segundos. Mas não, O Velho do Restelo não é nesse sentido um best of. E veja-se o que Oliveira faz ao testamento: em vez de reafirmar famosas palavras de fecho, das que se podem eternizar numa súmula temática, devolve esse património a Ricardo Trepa (Dom Quixote), Luís Miguel Cintra (Luis Vaz de Camões), Diogo Dória (Teixeira de Pascoaes) e Mário Barroso (que mais tem sido um duplo de Camilo Castelo Branco do que seu intérprete). As personagens juntam-se num jardim do século XXI, mas mais do que nunca elas são vestes e barbas postiças. É a interferência da memória e do corpo dos actores que interessa.

Lembramo-nos das palavras de Luís Miguel Cintra, a propósito de O Gebo e a Sombra, há dois anos aqui em Veneza, dando conta de como Oliveira, e seria esse um sinal da sua modernidade, quer que os intérpretes sejam material humano e experiências com as quais povoa os filmes, sem interferir, porque nele "a vida humana é mais importante do que a ficção". Lembramo-nos disso ao ver o rosto de Cintra: Camões hoje, um soldado nas colónias há mais de duas décadas.

O Velho do Restelo pode ser curto, mas há nele espaço para os que têm acompanhado Oliveira. A melancolia constrói-se com eles. Como se o realizador os convidasse, “este é o vosso património”. A solenidade é um estremecimento no rosto deles, quando se olham. O testamento pode ser dele, mas a melancolia também é deles.

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