Arnaldo Antunes brilhante na gravação de um DVD em Lisboa
Se o DVD gravado em Lisboa fizer justiça ao concerto que Arnaldo Antunes deu no São Luiz, será imperdível. Já É mostrou-o em grande forma.
Mesmo para quem já conhece o trabalho de Arnaldo Antunes desde o início, e já o viu várias vezes em palco, o concerto que encerrou a sua digressão portuguesa, no Teatro de São Luiz, em Lisboa, foi brilhante. Talvez ajudasse saber que ali seria gravado um DVD, nas noites de 12 e 13 de Novembro, para editar em Janeiro, mas a verdade é que ele se mostrou particularmente inspirado. Na apresentação do novo (e muito bom) disco que agora chega às lojas portuguesa, Já É, editado no Brasil e com um pequeno extra em Portugal (a participação de Manuela Azevedo numa das faixas); mas também no alinhamento, onde percorreu, com acertado critério, uma grande parte dos seus álbuns, desde O Silêncio (1996) até Disco (2013), passando pelo colectivo Tribalistas (2002).
O espectáculo, na última noite (que, tal como na primeira, contou com os convidados Manuela Azevedo e Hélder Gonçalves, dos Clã, e Carminho), abriu de chofre: ao levantar das cortinas, já Arnaldo e os músicos estavam em palco, atacando de imediato Antes e Põe fé que já é, ambas do novo disco. Trato, mantendo a adrenalina num embalo pop-funk (“eu, no seu lugar, você no meu”), foi mote certo para Atenção (“Essa vida contém/ cenas explícitas de tédio/ nos intervalos da emoção”) e para voltar ao novo disco: Se você nadar, As estrelas cadentes e Óbitos (não estrelas, mas corpos cadentes a mando de burocratas assassinos). Depois entrou Carminho e assistimos a dois duetos harmónicos e vibrantes, primeiro em Vilarejo, depois em Do vento. Seria um desperdício, se não os tivessem gravado.
O sol e Que me continua, antes de uma sequência de canções dos dois últimos discos, vieram lembrar-nos que Arnaldo é, a par de cantor, poeta. E que a sua poesia (que já é tanta) tem momentos de extraordinária criatividade e inspiração. Azul vazio, Saudade farta, Dança, Alta noite, Ela é tarja preta e Na fissura completaram a roda dos sons mais recentes, rematada pela “tribalista” Passe em casa, no meio da qual Arnaldo apresentou os músicos que com ele partilhavam o palco: Chico Salem (violão, guitarra) Betão Aguiar (baixo), Curumin (bateria, MPC) e André Lima (teclados, sanfona). Com parte da assistência já a ensaiar gestos de dança, Manuela Azevedo e Hélder Gonçalves entraram no momento certo. Naturalmente, naturalmente foi finalmente registado num dueto a sério (o do disco foi feito à distância e montado em estúdio), com Arnaldo e Manuela a dançarem juntos em palco; e o frenético rock and roll de H2omem, primeira parceria de Arnaldo com os Clã (incluída por estes no disco Lustro, de 2000), foi digno de antologia: não podiam, eles e os músicos, estar mais sintonizados e mais felizes. O final, em estado de graça, fez-se com Muito muito pouco, Cachimbo e Inclassificáveis.
Houve ainda um triplo encore, com A casa é sua, Socorro (que Arnaldo cantou deitado no chão) e Velha infância, dos Tribalistas, partilhada com Carminho, Manuela e Hélder. E houve mais, ou não estivessem a gravar um DVD: por razões técnicas, repetiram-se três canções: O sol, Dança e Alta noite. Um bónus inesperado para quem já se dirigia para a saída, dando a noite por finda.
Este seria um daqueles concertos que iríamos lamentar não terem sido gravados. Se o DVD lhe fizer justiça, não o percam.