A Cultura e o Orçamento do Estado

Não se vislumbra nenhum projecto para a cultura por parte do novo ministério.

O Orçamento do Estado (OE) para a cultura em 2016 representa praticamente 0,5% da sua despesa total ao incluir a RTP, que fica sob a tutela pela primeira vez (1). A inclusão da RTP foi uma boa notícia, pois a televisão pública é uma ferramenta essencial para o desenvolvimento de uma política cultural, mas aparentemente esta é a única inovação do novo Ministério da Cultura. Se não contarmos com o bolo da RTP, que na verdade é pago diretamente pela Taxa sobre o Audiovisual, o orçamento para a Cultura fica reduzido a uns meros 0,2% do OE. O investimento no sector mantém-se aos seus níveis mais baixos das últimas duas décadas e não se anteveem melhorias no fomento da criação nem nenhuma nova estratégia para um sector que foi totalmente menorizado pelas políticas de austeridade.

É verdade que a questão do financiamento pode não ser determinante, como tem vindo a dizer o Ministro Dr. João Soares, porque existem de facto muitas iniciativas necessárias na área da cultura que não dependem estritamente do OE, mas a manutenção do desinvestimento é um primeiro indicador fundamental da falta de estratégia, além de limitar diretamente as capacidades de intervenção.

Na nota explicativa que o Ministério da Cultura anexa ao OE, as prioridades destacadas remetem para a preservação do património cultural. A manutenção e a valorização do património é fundamental, mas é apenas o nível zero de qualquer política para a cultura, não diferindo da ação levada a cabo nos últimos anos. Nos outros campos, como os sectores da criação, verifica-se no documento a existência de numerosas boas intenções e desejos de repensar sectores ou valorizar determinadas áreas, mas nem nele nem nas declarações de João Soares até à data deram-nos alguma ideia inovadora ou proposta de fundo que revelem uma visão para o sector apesar de um orçamento tão reduzido.

O Ministro da Cultura tem tido aparições públicas regulares desde a sua tomada de posse, afirmando até já ter visitado todos os equipamentos espalhados pelo país que dependem do Ministério ou que estão em articulação com as autarquias (2). Conhecer o terreno e ir ao encontro dos criadores e dos seus espaços é um sinal positivo, mas apesar de tanta visibilidade, não tivemos oportunidade de entender qual era o seu projeto político.

Não se vislumbra nenhum projeto para a cultura por parte do novo ministério, e mesmo entre os criadores a questão das políticas culturais limita-se muitas vezes à crítica dos baixos orçamentos e da repartição dos escassos financiamentos. A questão da subsistência tornou-se na verdade o centro das preocupação da maior parte dos profissionais porque a sua grande maioria vive de forma precária, sem trabalho contínuo e a recibo verde, mesmo quando inseridos numa estrutura de trabalho como em companhias de teatro ou dança, orquestras, filmes e telenovelas.

A regulamentação das condições de trabalho e melhoria da estabilidade dos trabalhadores das artes foi a base para uma política pública em outros países que permitiu desenvolver um fortíssimo tecido cultural e uma atividade pujante. Por força da pressão das organizações profissionais, existe já uma lei que facilita o acesso ao subsídio de desemprego por parte de trabalhadores do sector que tenham contratos de trabalho, mas o reconhecimento e a realização de contratos de trabalho não têm estado na ordem do dia. Mesmo na televisão pública o nível de precarização é elevado, denunciado regularmente pela sua comissão de trabalhadores. Na verdade, a precariedade tem sido regra na generalidade das produções de espetáculo e de audiovisual. Uma política para o fomento da contratação, do reconhecimento de condições de trabalho e acesso à segurança social implica uma intervenção de fundo tanto no domínio público como privado. Estará o novo Ministro preparado para regulamentar a lei e tomar medidas efetivas neste campo?

A valorização das condições de trabalho seria um primeiro passo determinante, e em muitos outros campos do sector novas estratégias poderiam marcar a diferença. Para marcar um novo rumo para a política cultural, estas intervenções podem abalar interesses estabelecidos e implicar uma forte confrontação, mas só com um projeto e ações fortes é que a existência de um Ministério com um orçamento tão pequeno pode ganhar algum sentido.

(1) aconteceu uma outra vez episodicamente por motivos circunstanciais durante alguns meses 2001-2002 ver PÚBLICO 25.11.2015

(2) sic/Lusa 27.02.2016

 

Realizador, Dirigente do CENA – Sindicato dos Músicos, dos profissionais do Espetáculo e do Audiovisual e da PRO NÓBIS – Cooperativa de Atividades Artísticas

 

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