Português criou um Google Maps para o cérebro

Um novo software permite transformar as imagens de ressonâncias magnéticas em modelos 3D do cérebro, para melhorar os diagnósticos de doenças neurológicas. A inovação está a ser usada em centros de investigação em Espanha e nos EUA.

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O informático Paulo Rodrigues, um dos fundadores da empresa Mint Labs Mint Labs
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Ligações nervosas do cérebro de um doente com esclerose múltipla Mint Labs
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Ligações nervosas do cérebro de um doente com esclerose múltipla: as lesões estão assinaladas por cubos vermelhos Mint Labs

E se a identificação de uma lesão cerebral tivesse coordenadas tão exactas quanto as que podemos inserir num aparelho de GPS? Isso permitiria aos médicos fazer diagnósticos mais rigorosos, criando condições para terapias mais eficazes. É a isso que abre a porta um software desenvolvido por Paulo Rodrigues, um informático português de 34 anos. Esta espécie de “Google Maps do cérebro”, como lhe chama o investigador radicado em Barcelona, gera um mapa 3D do cérebro humano a partir das imagens produzidas durante exames de ressonância magnética.

Apesar de todos os avanços que a tecnologia sofreu nos últimos anos, os médicos não têm capacidade de analisar muita da informação gerada numa ressonância magnética. As imagens obtidas são planas, a duas dimensões. Quando chegam às mãos do neurologista será possível dizer que “há uma lesão nesta ou naquela parte do cérebro”, mas não há uma capacidade de identificação exaustiva do problema existente. Este é um órgão “muito mais complexo do que isto, com centenas de milhares de ligações”, explica Paulo Rodrigues.

Tendo isto em consideração, o que o seu software faz é, a partir das várias imagens obtidas pela ressonância magnética, gerar um mapa a três dimensões de todas as ligações nervosas do cérebro. Este modelo em 3D do cérebro torna-o “mais tangível”. Em vez de uma identificação genérica da área cerebral em que é detectada uma lesão, o médico pode receber um diagnóstico mais preciso: “Há uma lesão com estas coordenadas, com aquele tamanho e determinado volume. Essa lesão faz parte da conexão do circuito motor, que está afectado a 10%”, exemplifica o engenheiro e investigador. Ou seja, com esta inovação é possível localizar e quantificar com exactidão as propriedades do que está errado no cérebro de cada pessoa.

Foi com neste software que Paulo Rodrigues criou, em Abril de 2013, uma empresa – a Mint Labs (abreviatura de Medical Inovation and Technology Laboratories), que funciona em Barcelona, para onde se tinha mudado para fazer o pós-doutoramento. Apesar de encarar o serviço prestado como um negócio, o informático português diz, todavia, que, nesta fase, “não está preocupado em gerar receitas”. A prioridade é pôr este Google Maps do cérebro ao serviço da ciência.

Para isso, a empresa está a colaborar com vários hospitais em Espanha e nos Estados Unidos que fazem investigação clínica, como são exemplos os hospitais universitários Clínic e Bellvitge, na cidade catalã, ou a Universidade da Califórnia São Francisco, nos EUA. “O que nos interessa é tentar ajudar os clínicos a descobrir o que se passa com o cérebro quando tem doenças como a esclerose múltipla, a Parkinson ou a Alzheimer”, afiança Rodrigues.

Para poder ser usada facilmente por médicos e investigadores, a plataforma informática da Mint Labs funciona de forma relativamente simples. Desde logo, não precisa da instalação de qualquer programa informático para que se torna acessível, servindo-se do browser de acesso à Internet como interface. Para efectuar o carregamento das imagens, bastará aos utilizadores arrastar os ficheiros respectivos para o local indicado, num sistema (drag and drop) muito próximo daquele que é usado para ferramentas de partilha de ficheiros como o Drop Box, por exemplo.

A ideia é que fosse possível fazer o processamento das imagens “só com um clique”, explica Paulo Rodrigues. Na prática, são três os passos necessários: depois de feito o upload dos ficheiros, o clínico ou investigador seleciona aquilo que quer saber a partir das imagens digitalizadas que foram carregadas e, passados uns minutos, recebe um relatório com a descrição do cérebro do doente.

Tudo funciona através de computação em nuvem. As imagens das ressonâncias magnéticas carregadas pelos médicos dos centros de investigação parceiros da empresa são guardadas em servidores da Google, com quem a Mint Labs tem um acordo para o armazenamento. Até ao momento, são cerca de 30.000 imagens digitalizadas, que correspondem a 4000 pessoas que se encontram nestes arquivos. O objectivo, ambiciona Paulo Rodrigues, é criar na Internet “a maior base de dados do mundo de imagens cerebrais”.

Com essa informação na mão, será possível desenvolver com um grau de exactidão cada vez maior um modelo em 3D do cérebro saudável, bem como estabelecer comparações tendo em conta as alterações que este órgão sofre quando é afectado por uma determinada doença. A detecção das doenças neurológicas baseia-se hoje sobretudo em sintomas que muitas vezes se manifestam num estádio já adiantado da patologia. Este conhecimento mais rigoroso de todas as ligações que se estabelecem no cérebro permitirão, por isso, um diagnóstico mais preciso, mas abre também caminho a diagnósticos mais precoces. “Com isso podem começar-se novos tratamentos que podem atrasar ou diminuir o avanço da doença e eventualmente tentar preveni-la”, acredita.

Convencer a indústria

Paulo Rodrigues nasceu em Viana do Castelo e fez a licenciatura em Engenharia de Sistemas e Informática na Universidade do Minho, em Braga. Quando terminou o curso, começou a trabalhar como engenheiro de software na MobiComp, a empresa que Carlos Oliveira, que foi secretário de Estado do Empreendedorismo no governo anterior, vendeu à Microsoft em 2008. Antes disso, já tinha saído para retomar os estudos: foi para a Universidade Técnica de Eindhoven, na Holanda, fazer o doutoramento sobre visualização e processamento de imagens médicas. Foi aí que conheceu a macedónia Vesna Prchkovska, que estava a fazer investigação na mesma área, e que viria a tornar-se a co-fundadora da Mint Labs.

O projecto só arrancaria definitivamente em 2013, quando Paulo Rodrigues já tinha mudado novamente de país, para fazer o pós-doutoramento na Universidade de Barcelona – com um trabalho sobre neuroimagens em ambiente de realidade virtual. Foi então que se abriu a possibilidade de lançar a Mint Labs, que foi aceite na aceleradora de empresas Wayra (ligada ao grupo espanhol Telefónica), dando as condições para que a firma arrancasse na capital da Catalunha.

Desde então, a Mint Labs tem conseguido um conjunto de prémios em iniciativas destinadas a start-ups e empresas tecnológicas, o que tem ajudado a aumentar a sua visibilidade. Isso é, segundo Paulo Rodrigues, “essencial” para conseguir captar investidores que apoiem esta fase de consolidação da empresa.

Entre o capital angariado está o da primeira aceleradora de start-ups em neurociências, Neurolaunch (com sede em Atlanta, nos Estados Unidos), ou do projecto Grants4Apps, da alemã Bayer. Desde Novembro passado, a empresa passou também a contar com um apoio que tem ajudado a abrir muitas portas: Walter Gilbert, prémio Nobel da Química de 1980 e co-fundador da empresa farmacêutica Biogen. Walter Gilbert tornou-se um dos investidores da empresa e passou também a ter um lugar como conselheiro da administração liderada por Paulo Rodrigues.

Por mais que a prioridade seja actualmente a colaboração com centros de investigação, a Mint Labs – que tem neste momento dez trabalhadores, mas planeia duplicar a sua dimensão ao longo deste ano – é um negócio, cujo modelo de desenvolvimento está assente em dois tipos de clientes. O primeiro é o que se chama software as a service, em que a empresa cobra pelo armazenamento e processamento das imagens. Mas o grande objectivo é passar a ter como cliente a indústria farmacêutica, sobretudo no apoio a ensaios clínicos.

O grau de precisão com que o mapa 3D dos cérebros gerado pelo software da Mint Labs permite conhecer aquele órgão humano pode ser útil na caracterização dos doentes para ensaios clínicos, permitindo uma categorização mais afinada dos participantes. Por outro, abre tornará possível a avaliações mais objectivas das mudanças que os ensaios clínicos provocam. Usando o software de Paulo Rodrigues, será possível “quantificar se há mudanças cérebro, se o número de lesões diminuiu, se a matéria cinzenta aumentou ou não, se houve degeneração ou se existem ou não novas conexões”, antecipa Paulo Rodrigues. É com esta ferramenta, que acredita permitirá perceber melhor se um ensaio clínico está a ter o efeito pretendido, que o informático e investigador português espera agora convencer a indústria.

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