Descoberto um pequeno primata em Angola e já está ameaçado

Identificada uma nova espécie de primata perto de Luanda, o gálago-de-cumbira, e isso é uma boa notícia. A má notícia é que se encontra em situação vulnerável.

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O gálago-de-cumbira Elena Bersacola
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Os olhos arregalados são uma das características dos gálagos Elena Bersacola
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Elena Bersacola

Numa noite de 2013, um grupo de cientistas estava a fazer observações na natureza e ouviu uns sons diferentes na floresta de Cumbira, no Noroeste de Angola. Perceberam de imediato que eram vocalizações de um animal e que o volume do som ia crescendo. Logo lhes pareceu que deveria ser de um pequeno gálago, um género de mamífero primata de quatro patas e insectívoro. Estavam certos. O som era mesmo de um gálago, mas viriam a descobrir que é maior do que os gálagos já conhecidos. É uma nova espécie, agora designada cientificamente Galagoides kumbirensis, ou gálago-de-cumbira.

Nos últimos 50 anos, o número de espécies de gálagos descritos em África aumentou de seis para 19. Mas encurtemos o período de tempo: desde 2000 já foram descritas duas espécies destes primatas nocturnos. Ainda em Fevereiro, uma dessas espécies foi revelada na revista American Journal of Physical Anthropology.

E porquê Galagoides kumbirensis? Porque é o nome do sítio onde a nova espécie foi observada naquela noite de 2013: a floresta de Cumbira.

Pode-se dizer que a noite foi boa companheira do grupo de cientistas em trabalho de campo nessa floresta de Angola. A equipa liderada pelas primatólogas Magdalena Svensson e Elena Bersacola, ambas do Grupo de Investigação dos Primatas Nocturnos da Universidade Oxford Brookes, no Reino Unido, percebeu que os sons que ouvia antes do nascer do Sol (entre as 4h30 e as 5h30) e depois do pôr do Sol (entre as 18h e as 22h) eram diferentes dos sons de outros gálagos.

Ao todo, as vocalizações dos gálagos agrupam-se em oito categorias. Os cientistas verificaram que estes sons diferentes que ouviram pela primeira vez em 2013 estão na categoria “crescendo”, pois o volume ia aumentando. Agora dão-lhe o nome “gorjear crescendo”.

Mas a equipa não se ficou pelo trabalho na floresta de Cumbira. E, ao todo, identificou 36 exemplares desta nova espécie não só nessa floresta (17 exemplares), mas também perto da cidade de Bimbe (um) e na floresta do Leste da Escarpa de Angola (18). Todos estes exemplares foram observados entre os 250 e os 910 metros de altitude. Magdalena Svensson diz ao PÚBLICO que não foi possível identificar, durante as observações, se os exemplares eram machos ou fêmeas. Em todos estes sítios, gravaram ao todo 37 vocalizações do Galagoides kumbirensis e tiraram fotografias com as mãos deles agarradas às árvores, além de registos comportamentais.

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Esta até nem foi a primeira vez que a espécie tinha sido vista. No Museu de História Natural de Chicago, nos Estados Unidos, encontravam-se guardados três exemplares (duas fêmeas e um macho) cuja espécie não estava identificada e que tinham sido recolhidos em 1954. Mas também só agora foram identificados através da sua comparação com as fotografias tiradas em Angola.

Percebeu-se assim que esta espécie tem um tamanho semelhante ao dos esquilos e, entre os gálagos, até é um “gigante” – aliás, o título do artigo científico em que é descrita é Um gigante entre anões: Uma nova espécie de gálago de Angola. Tem um focinho maior relativamente a outras espécies (cerca de quatro centímetros). Da cabeça até à cauda, mede entre 17 a 20 centímetros, e só a cauda atinge entre 17 e 24 centímetros, já as patas da frente têm cerca de cinco centímetros e as orelhas três.

Uma ameaça chamada “desflorestação”

E se a noite camuflou o novo gálago durante muito tempo, a ciência encarregou-se agora de nos dar a conhecer a cor do seu pêlo. O focinho é rosa na parte de baixo e escuro em cima. Os olhos castanhos são bem arregalados e preenchidos por um volumoso círculo branco (para verem bem à noite). O ventre é amarelo cremoso e as costas e as orelhas são acinzentadas, tal como as mãos fininhas que permitem que se fixem às árvores.

“Não devemos ficar surpreendidos com a descoberta de espécies. Estima-se que há entre cinco milhões a 50 milhões de espécies no mundo e apenas dois milhões têm nome. Por isso ainda há um longo caminho a ser percorrido”, explica Simon Bearder, da Universidade Oxford Brookes e um dos autores do artigo científico, num comunicado da sua instituição. Já Anna Nekaris, também dessa universidade e autora do artigo, destaca a importância da descoberta: “Não é surpreendente encontrar novas espécies, mas esta tem proporções corporais distintas, fazendo dela um tipo de gálago totalmente diferente.”

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Gálago-de-cumbira no Museu de História Natural de Chicago, nos Estados Unidos DR

E agarrada a esta espécie veio outra preocupação: a sua conservação. No artigo, lança-se um apelo para que a nova espécie seja incluída na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza com o estatuto de “vulnerável”. “Queremos realçar a importância desta floresta [de Cumbira] para a biodiversidade endémica, que inclui o nosso novo gálago”, diz-nos Elena Bersacola. “Actualmente, Cumbira não é uma zona protegida e a desflorestação está a ocorrer a um nível muito elevado.” 

Mas ainda se sabe muito pouco sobre a nova espécie. Elena Bersacola destaca a falta de conhecimento sobre a alimentação deste gálago, as suas interacções sociais e a adaptação às mudanças climáticas. A desflorestação é uma das ameaças, ao ponto de nunca conhecermos o gálago-de-cumbira. “A descoberta deste novo primata endémico mostra a importância dos ecossistemas angolanos e traz a mensagem clara sobre a necessidade de medidas urgentes de conservação nesta região.” 

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