Descoberto gene “superactivado” nos cancros da mama mais difíceis de tratar

A identificação deste novo gene do cancro poderá ser um primeiro passo para o desenvolvimento de novas terapias contra cancros da mama particularmente agressivos.

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O cancro da mama triplo negativo atinge 15% das doentes e é muito difícil de tratar Nelson Garrido (arquivo)

Uma equipa internacional, co-liderada por um cientista português, acaba de descobrir um gene, designado BCL11A, que se encontra especialmente activo nos cancros da mama ditos “triplo negativos”. Os resultados, publicados sexta-feira na revista Nature Communications, sugerem que a actividade excessiva deste gene é um motor do desenvolvimento e da progressão destes cancros.

Os cancros da mama triplo negativos são particularmente letais. São assim chamados porque as suas células não apresentam, à superfície, nenhum de três receptores habituais: os dos estrogénios e da progesterona (as hormonas sexuais femininas) e um receptor designado HER2 e também associado aos cancros da mama.

Portanto, são cancros que não respondem às terapias hormonais habituais, tais como o tamoxifeno (que bloqueia os receptores dos estrogénios nas células cancerosas), nem ao trastuzumab (ou herceptina), um anticorpo que bloqueia os receptores HER2. Os únicos tratamentos actualmente disponíveis são, para além da cirurgia e da radioterapia, quimioterapias não específicas.

Cerca de 15% das doentes com cancro da mama sofre de cancros triplo negativos, que afectam sobretudo mulheres com menos de 40 anos. E como, para mais, a resposta destes cancros aos tratamentos é muito variável de doente para doente, a sobrevivência das mulheres atingidas vê-se ainda mais comprometida.

“Os cancros da mama mais agressivos necessitam de novos tratamentos”, disse ao PÚBLICO o português Carlos Caldas, director da Unidade de Investigação do Cancro da Mama da Universidade de Cambridge (Reino Unido), que liderou o estudo juntamente com Pentao Liu, do Instituto Sanger da associação britânica Wellcome Trust. “Descobrir novos genes que estão mutados (neste caso por amplificação) nestes cancros da mama agressivos é um primeiro passo para desenvolver uma medicina oncológica de precisão.”

Até agora, explica em comunicado o Instituto Sanger, apenas um punhado de aberrações genéticas tinham sido associadas ao desenvolvimento de cancros triplo negativos.

Estudos anteriores realizados pela equipa sugeriam que as mutações que atingem genes que têm a ver com o desenvolvimento dos tecidos favorecem frequentemente o aparecimento de cancros. Um desses genes era o BCL11A, que a equipa mostrou, também agora, ser necessário ao normal desenvolvimento do tecido mamário.

“A nossa compreensão dos genes que promovem o desenvolvimento de células estaminais [nos tecidos] levou-nos a procurar efeitos do mau funcionamento desses genes”, diz Pentao Liu, citado no mesmo comunicado. “E o gene BCL11A possuía todas as características de um novo gene do cancro.”

Quando os cientistas analisaram amostras de tumores da mama provenientes de cerca de 3000 doentes, descobriram que o gene BCL11A apresentava, efectivamente, um nível de actividade (expressão) significativamente aumentada em 80% dos cancros triplo negativos. E que, quanto maior o número de cópias do gene presentes no cancro, menores as perspectivas de sobrevivência da portadora.

“Os nossos estudos genéticos em células humanas permitiram-nos ver claramente que BCL11A era um promotor, até aqui desconhecido, dos cancros triplo negativos”, frisa por seu lado o co-autor Walid Khaled.

Os cientistas mostraram ainda que, ao aumentarem a actividade do gene BCL11A, as células passavam a aprensetar características cancerosas – e que, ao reduzirem essa actividade genética, a sua actividade cancerosa diminuía.

“O facto de inserir um gene BCLA11 humano numa cultura de células da mama humanas ou de ratinho fazia com que essas células adoptassem o comportamento das células cancerosas”, salienta Walid Khaled. “E a redução a actividade do BCL11A em três amostras de células de cancro da mama triplo negativo humano levou-as a perder algumas das suas características cancerosas – e a tornarem-se menos susceptíveis de formar tumores [ao serem injectadas] em ratinhos.”  

“Este resultado entusiasmante permitiu-nos identificar um novo gene do cancro da mama nalguns dos casos mais intratáveis [da doença]”, diz Carlos Caldas. Este investigador e o seu colega e amigo de longa data  Samuel Aparício, investigador português da Agência do Cancro da Columbia Britânica em Vancôver (Canadá) – e também co-autor do presente artigo –, estão há vários anos a construir “o mapa do cancro da mama", como nos explicava Carlos Caldas em 2012. "O facto de caracterizarmos todos os genes mutados num tumor é o primeiro passo na determinação dos padrões de mutações e das melhores terapias para combater a doença. É como um código de barras do tumor, que também poderá servir para monitorizar a resposta do tumor à terapêutica.”

A equipa já descobriu entretanto vários outros genes para além do BCL11A. "E vamos continuar a identificar mais, não só para estudar a biologia, mas também para desenvolver novos testes de prognóstico e novas terapias”, diz-nos Carlos Caldas.

Notícia alterada às 14h10 de 12/01/2015: Herceptina é o nome comercial do trastuzumab, anticorpo que bloqueia os receptores HER2, associados ao cancro da mama. 

   

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