O Multibanco é um sistema de confiança?

O Banco de Portugal permite que empresas estrangeiras, opacas e sem tradição de colaboração com as autoridades, giram essas referências e as vendam a burlões em Portugal.

Desde 2017 que milhares de portugueses já foram lesados através de um tipo de burla que – paradoxalmente – é bastante fácil de resolver e prevenir: o uso de referências multibanco fraudulentas.

Os portugueses confiam no seu sistema Multibanco gerido pela SIBS: graças a essa confiança habituaram-se a pagar as suas contas e a fazer as suas compras de forma fácil, cómoda e (pensam eles), segura nos terminais multibanco (ATM) que se encontram um pouco por todo o Portugal. Mas a forma como o sistema está montado permite a actividade de burlões que fingem ser a EDP, a Electricidade da Madeira, a PSP Porto (!) ou, numa variante mais recente, os filhos (burla "Olá, Pai"). Quando faz os seus pagamentos, a vítima insere apenas um número (a entidade) e uma referência multibanco e o valor do pagamento. O nome da empresa ou entidade que vende (e cobra comissões) o serviço de criação das referências não surge na ATM. Se este nome fosse visível, as burlas em que o criminoso se faz passar pela EDP, Electricidade da Madeira ou PSP Porto não seriam possíveis. Se o nome da "empresa" (burlão) por detrás da referência multibanco fosse revelado no momento do pagamento, todas as burlas com compras de serviços ou bens no OLX, redes sociais ou na burla "Olá, Pai" não seriam possíveis.

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Os utilizadores do Multibanco não concebem o quanto é fácil criar uma referência multibanco, mas o Banco de Portugal permite que empresas estrangeiras, opacas e sem tradição de colaboração com as autoridades, giram essas referências e as vendam a burlões em Portugal. Os burlões usam esta opacidade e a dificuldade de comunicação entre as polícias europeias para exercerem a sua actividade – de forma impune – desde 2017.

A primeira reacção de uma vítima de uma burla com referências multibanco tem de passar pela apresentação de uma queixa nas autoridades, sendo que muitos destes crimes (sobretudo os de pequeno valor) ficam infelizmente por reportar, distorcem as estatísticas da verdadeira escala deste fenómeno e diminuem consequentemente a prioridade que as autoridades atribuem à investigação destes crimes.

Algumas destas entidades, como a HPME ou "Hi-Media Porte Monnaie Electronique SA", admitem que conseguem "aceder aos dados sobre o beneficiário do pagamento", colaboram com as autoridades (como as portuguesas: Easypay, Hipay Portugal e euPago) e, embora declarem que "não têm forma de cancelar o pagamento efetuado", têm um procedimento de reembolso que não decorre de nenhuma obrigação legal mas permite evitar que os lesados esperem pelo fim do processo-crime para se verem ressarcidos por parte do burlão em causa. Atitude diferente tem a MediaMedics holandesa que usa em Portugal o número de entidade 21800: quer no que respeita a colaborar com as autoridades, quer nos seus sistemas de conformidade interna e, sobretudo, no que concerne a não ter nenhum processo de reembolso.

É preciso resolver as lacunas que permitem a operação destes burlões através da inércia da SIBS e da opacidade de empresas como a MediaMedics:

1. Se as empresas que vendem referências multibanco forem associadas a um grande surto de actividade criminosa devem ter a sua licença no BdP suspensa até que a sua segurança interna seja reforçada. Embora muitas destas entidades (como a 21800) estejam a vender serviços a burlões desde 2017, continuam a ter licença como operador financeiro no Banco de Portugal.

2. A SIBS (Multibanco) deve providenciar que nas suas ATM surja sempre o nome da entidade que gere as referências e o beneficiário final do pagamento. Se a entidade está associada a burlas, esse alerta deve surgir na ATM, como é o caso das 21800, 11249, 11893, 10241, 10611, 21312, 12167, 11893.

Estas propostas serão a base da petição que em breve será enviada à Assembleia da República.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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