Foi há 50 anos que nasceu a primeira vinha contínua de Alvarinho em Melgaço

Pouco depois do 25 de Abril, João Cerdeira ocupou um hectare de terreno dos pais exclusivamente com Alvarinho. Do vinho feito na garagem da família, os Cerdeira construíram um negócio de 7 milhões.

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A primeira vinha contínua de Alvarinho em Melgaço é esta, da Quinta de Soalheiro Anna Costa
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A primeira vinha contínua de uva Alvarinho em Melgaço foi plantada há 50 anos, nas horas vagas de um funcionário público que, em 1982, criaria a marca Soalheiro, hoje com um volume de negócios de sete milhões de euros.

Num território onde as videiras ocupavam "a bordadura [limites] dos campos de cultivo para uma agricultura de subsistência", João Cerdeira fez uma revolução pouco depois do 25 de Abril de 1974 naquele concelho do distrito de Viana do Castelo: inspirado na produção do Palácio da Brejoeira, em Monção, ocupou um hectare de terreno dos pais exclusivamente com a casta Alvarinho, fazendo depois experiências na garagem até chegar a um "vinho aromático apreciado", descreve o filho, Luís Cerdeira, de 51 anos.

Cinquenta anos depois, a aventura da plantação que gerou desconfiança e as experiências autodidactas na garagem transformaram-se numa produção anual de 800 mil garrafas e numa rede de produtores formalizada como associação que integra, para além da 'família' Soalheiro, 180 famílias produtoras de uva, "a maior parte em part-time", acrescenta.

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Anna Costa

Actualmente presente em 40 países e tendo em Portugal 50% do mercado, a Soalheiro começou sem "capital para investir em vinha ou comprar terra", pelo que a solução do funcionário das Finanças, que contava com a ajuda da mulher, professora primária, foi "motivar a família e amigos para plantar vinha".

A rede foi crescendo para ser "uma família de famílias" e actualmente está formalizada como associação Clube de Viticultores, na qual a empresa se junta a 180 famílias com um total de 80 hectares de cultivo para juntar aos 15 da Soalheiro, acrescenta.

Está em causa aquilo a que Luís chama a "viticultura de fim-de-semana" mas que "dá retorno". "Sobretudo quando falamos da uva mais cara do país", acrescenta, explicando que o valor se situa nos 1,30 euros o quilo.

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Os irmãos António Luis e Maria João Cerdeira, responsáveis pelo projecto da Quinta de Soalheiro Rui Oliveira

"O que fizemos foi agrupar todos os produtores e dar-lhes competências para evoluírem no conhecimento, fazer partilha de máquinas, de formação, definir estratégias. Este é um fenómeno socioeconómico diferente do que é habitual encontrar", observa o enólogo.

Luís Cerdeira apresenta o pai como autodidacta e "o primeiro produtor sem palácio a apostar em fazer Alvarinho de qualidade".

"Ele começa a usar técnicas de vinificação e tem um vinho que é aromático, as pessoas começam a gostar, começa o fenómeno a crescer. Nos primeiros dez anos é sempre um crescimento muito lento e uma afirmação de mercado difícil. Quer queiramos quer não, não tínhamos um palácio. O meu avô era agricultor e barqueiro. E, para o meu pai, isto era um part-time", observa.

A irmã, Maria João Cerdeira, também faz parte da empresa, como presidente do Clube de Viticultores, entre outros projectos, como a produção de infusões ou o de enoturismo.

Formada em veterinária, a gestora de 48 anos integra a Soalheiro em 2004, num regime parcial, dedicando-se a tempo inteiro desde 2019. Entrou a pedido do pai, "para tomar conta das vinhas", mas apresentou uma "condição marota", na expectativa de ele não aceitar. "Disse que tinha de me deixar certificar uma vinha com agricultura biológica. Ele disse: não tens uma, tens as vinhas todas", recorda.

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Rui Oliveira

Diz que teve "a sorte de o pai ter tido a visão de não ter medo de falhar, de tentar" e lembra que a marca podia ter sido criada em 1981, em vez de ter sido um ano depois, não fosse o pai ter deixado "um bocadinho da torneira da pipa aberta".

"Perdeu o vinho. Criou primeira marca em 1982 porque em 1981 não tem vinho. E a mãe avisou-o "João, a pipa não está bem fechada". Era uma pipa de 500 litros. Mas isso não o impediu de, no ano seguinte, tentar outra vez", lembra.

Na garagem onde faziam o vinho "cabiam duas pipas" e o ofício era um passatempo, "mas que lhes levava muito tempo". "Para tudo correr bem... Não é sorte, é preciso muito trabalho", justifica.

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