O Alvarinho envelhece bem. Essa e outras descobertas sobre a nobre casta

Numa viagem dedicada ao Alvarinho de Monção e Melgaço, as singularidades que encontrámos em colheitas com mais de 12 anos de diferença entre si são surpreendentes.

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O PÚBLICO organizou em Lisboa, em parceria com a Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes, uma prova de Alvarinhos Ricardo Lopes
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Pode parecer exagerado, mas não é. Se as pessoas soubessem do potencial de guarda dos vinhos feitos de Alvarinho, casta emblemática dos Vinhos Verdes, os stocks dos produtores da pequena e nobre sub-região de Monção e Melgaço esgotariam num ápice. Na última segunda-feira, numa prova organizada pelo PÚBLICO e pela Comissão de Viticultura da Região (CVRVV), no hotel The Editory Riverside, dez Alvarinhos proporcionaram uma viagem a 12 ricas e distintas colheitas. Uma surpreendente e sensorial descoberta.

Das nove sub-regiões onde se produz Vinho Verde, é o terroir de Monção e Melgaço que imprime características únicas à Alvarinho, já presente em todo o país e até no estrangeiro. Não é, aliás, um património exclusivamente nosso: a sua origem entre o vale do rio Minho e as encostas em seu redor fez com que a variedade transpusesse a fronteira.

É uma casta ibérica, na verdade, e os vizinhos espanhóis exportam mais do que nós. Mas avancemos mais de um século de história e voltemos à prova. Qual a ordem ideal? A opção de começar no vinho mais antigo e ir explorando os restantes até aos mais jovens fez-se “para não anular as subtilezas dos mais antigos”, sugeriu Manuel Carvalho, timoneiro desta viagem juntamente com o jornalista Edgardo Pacheco. E assim foi.

No evento organizado pelo PÚBLICO e pela CVRVV, esta segunda-feira, em Lisboa, estavam à prova dez Alvarinhos de diferentes colheitas Ricardo Lopes
A prova de Alvarinhos foi conduzida pelos jornalistas Manuel Carvalho e Edgardo Pacheco Ricardo Lopes
A prova de Alvarinhos pretendia mostrar o potencial da casta que, tendo a sua melhor expressão em Melgaço e Monção, é já do mundo Ricardo Lopes
Os convidados, entre eles vários jornalistas especializados, foram desafiados a perceber as nuances entre Alvarinhos com 12 anos de diferença; na foto, João Paulo Martins, crítico do Expresso Ricardo Lopes
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No evento organizado pelo PÚBLICO e pela CVRVV, esta segunda-feira, em Lisboa, estavam à prova dez Alvarinhos de diferentes colheitas Ricardo Lopes

Primeira lição: é importante perceber o perfil dos produtores mas, no caso dos Alvarinhos, cujos vinhos mais jovens acabam por ser relativamente parecidos, só é possível perceber o que os distingue através dos vinhos mais antigos. E uma nota prévia deixada por Edgardo Pacheco: “O valor que a guarda acrescenta pode ser surpreendente”.

E mergulhamos nas tais surpresas: se seria de esperar de um Vinho Verde (e atenção que falamos sempre da região, não de um tipo de vinho; ali no Minho os vinhos também se fazem de uvas maduras) frescura e aromas frutados, encontramos no Portal do Fidalgo de 2010, da PROVAM, um vinho “cheio de vida e muito gastronómico”, como alguém descreveu durante a prova. Aquele grupo de produtores tem feito experiências para testar a evolução da casta em garrafa, ao longo dos anos.

Para quem não está habituado a Verdes mais estagiados, é surpreendente como podem ser tão agradáveis e vibrantes. Também na Quinta de Santiago se têm feito experiências nesse sentido e o Quinta de Santiago Alvarinho 2012 é um bom exemplo desses ensaios. Ao longo de várias gerações, manteve-se a tradição familiar de produção de vinho mas foi precisamente a partir de 2012 que a aposta na casta se tornou mais evidente quando Joana Santiago decidiu assumir o projecto familiar. Uma questão curiosa, nesta parte da prova: além de bons vinhos, também devemos considerar o que são “boas garrafas”. Abriram-se duas garrafas do Quinta de Santiago e os vinhos eram completamente diferentes um do outro.

Avançámos quatro anos. A magnum de Quinta das Pereirinhas Reserva de Família 2016 revelou-se um vinho exclusivo, não pela sua edição limitada de 1.500 garrafas, mas por ter ficado nove meses em barrica de carvalho francês. Nota-se no aroma e na estrutura deste Alvarinho.

No Valados de Melgaço Grande Reserva 2016 encontrou-se consenso. Um “vinho com alma", “que se mastiga”, com uma “marca de fruta muito presente”, assim o descreveram os presentes. Curioso perceber o quão distintos podem ser os aromas de vinhos que têm a mesma idade. Além do consenso reunido nas apreciações prazerosas sobre o Valados de Melgaço, uma certeza: “um vinho que ainda tem muitos anos para fazer”, como sugeriram os anfitriões. Um bom exemplo do potencial de guarda já referido mas, nesta altura da prova, mais do que confirmado.

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A prova da última segunda-feira, em Lisboa, é uma de várias iniciativas em torno de castas emblemáticas da região minhota, em que o PÚBLICO e a CVRVV são parceiros Ricardo Lopes

O Land Soul Terrunho de 2017 e o Deu-La-Deu de 2018, da Adega de Monção, também foram destacados pelos participantes. No caso deste último, por ser uma referência acessível e que claramente é um bom investimento para quem souber esperar uns anos para o beber.

Os últimos vinhos, marcadamente frutados — característica inerente à sua juventude —, foram o Quintas de Melgaço Vinhas Velhas de 2020, o Casa do Capitão-mor Reserva 2021 (mais seco, mas uma certa garra), o Dom Salvador 2022 e o Soalheiro Alvarinho Clássico 2022.

“Isto é apenas o princípio”, desafiaram os jornalistas que orientaram a prova, que juntou convidados desafiados a descobrir a origem e o potencial de uma casta que é porventura, e a par da tinta Touriga Nacional, a nossa casta mais internacional — só para dar um exemplo: desde 2019, que o Alvarinho está autorizado na região clássica de Bordéus.

Definitivamente, há muito para descobrir nos Alvarinhos. Para os produtores que arriscaram experimentar a evolução dos Verdes, um bem-haja. Além da evidente diversidade, o potencial de guarda é ainda desconhecido para a maior parte das pessoas, mas é a principal lição aprendida nesta aula que se revelou uma autêntica viagem pela sub-região de Monção e Melgaço. Numa próxima, a sugestão de explorar outros Verdes que tenham igualmente envelhecido bem, por exemplo, Arinto ou Loureiro.

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