O país em festa: do cravo colombiano de Lídia Jorge à coluna militar de Salgueiro Maia

O dia 25 de Abril de 1974 foi longo e, 50 anos depois, a festa para o celebrar foi intensa e espalhou-se pelo país.

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A escritora Lídia Jorge trouxe um cravo vermelho de Bogotá DR/Mira
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Espalhados por vários pontos do país, os correspondentes do PÚBLICO acompanharam as celebrações do cinquentenário do 25 de Abril. Em Beja, Santarém, Setúbal, Beja, Loulé ou Aveiro, a emoção foi o sentimento maior.

Loulé e o cravo colombiano de Lídia Jorge

A escritora Lídia Jorge chegou a Loulé, com cravo trazido há quatro dias de Bogotá (Colômbia), onde participou num encontro literário. “Por toda a América Latina e Europa, fala-se de Portugal. As pessoas cantam a Grândola, vila morena, ao fazer isso, é como se fizessem uma espécie de exorcismo contra aquilo que está a acontecer no mundo actual.”

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Lídia Jorge em Loulé DR/Mira

A escritora, convidada de honra da Assembleia de Loulé, assistiu à representação da sua obra Os Memoráveis, em que evoca os capitães de Abril. As figuras de Vasco Lourenço e Otelo Saraiva de Carvalho subiram ao palco, pela mão dos grupos Ao Luar Teatro e Makina de Cena.

A obra, explicou, foi escrita numa altura muito particular, quando Portugal vivia uma crise financeira e os jovens emigravam, dizendo: “Os revolucionários, afinal, traíram o país. Não agradeciam o 25 de Abril, pelo contrário.” A verdade, porém, enfatizou, é que o 25 de Abril “foi uma revolução que precedeu 60 e tal revoluções, mudanças de regime que tiveram como primeiro impulso aquilo que aconteceu em Portugal”. Por isso, o “cravo de Bogotá” teve, neste acto solene, um significado especial para Lídia Jorge, onde dedicou Os Memoráveis aos jovens, para que a memória não se perca na penumbra dos tempos. Idálio Revez

Santarém recriou coluna militar de Salgueiro Maia

A recriação da coluna militar que, liderada pelo capitão Salgueiro Maia, teve papel decisivo na Revolução de Abril foi um dos pontos altos das comemorações do 25 de Abril promovidas em Santarém. A coluna, formada na antiga parada da Escola Prática de Cavalaria, saiu da capital ribatejana em direcção a Lisboa na noite de quarta-feira (22h30), percorrendo lugares simbólicos de Santarém, como o Largo Infante da Câmara, o Jardim da Liberdade e o Jardim dos Cravos (junto ao monumento de homenagem a Salgueiro Maia).

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Coluna militar em Santarém DR

A iniciativa tem o apoio do Exército português e da Associação Portuguesa de Veículos Militares Antigos. Na manhã de sábado, dia 27, será recriado o regresso da coluna militar a Santarém, com a subida dos militares intervenientes na revolução à varanda dos Paços do Município escalabitanos.

Na madrugada de 24 de Abril de 1974, Salgueiro Maia dirigiu-se aos militares concentrados na parada da Escola Prática de Cavalaria. “Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de Estado: os Estados sociais, os corporativos e o estado a que chegámos. Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos! De maneira que, quem quiser vir comigo, vamos para Lisboa e acabamos com isto. Quem for voluntário sai e forma. Quem não quiser sair fica aqui!”, disse, então, Salgueiro Maia, numa intervenção decisiva para a história recente de Portugal, que mobilizou os cerca de 200 efectivos da EPC envolvidos na revolução. Jorge Talixa

Em Setúbal houve música e falou-se sobre regionalização

Em Setúbal, as celebrações começaram cedo, com o içar da bandeira no edifício da câmara, na presença do corpo de bombeiros em parada. Seguiram-se várias acções que antecederam a sessão solene, no Fórum Luísa Todi: a jovem Sofia Rodrigues leu um poema de Ary dos Santos; houve uma homenagem aos resistentes antifascistas; o grupo infantil Paganinus, do Conservatório Regional de Setúbal, interpretou clássicos; e, finalmente, discursaram os políticos.

André Martins, presidente da Câmara de Setúbal, eleito pela CDU, destacou que o poder local é hoje unanimemente reconhecido como “uma das maiores e mais positivas conquistas do 25 de Abril”, para defender que, “se houvesse regiões, o país estaria mais desenvolvido e territorialmente mais coeso”. E acrescentou: “Portugal é hoje um dos poucos países da União Europeia que não têm regiões instituídas.”

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Setúbal DR

Ainda sobre a organização do Estado, o autarca criticou a descentralização de competências para os municípios, pela falta de transferência dos recursos adequados, e apontou Setúbal como um exemplo nacional, pela aposta na partilha de funções com as freguesias. “Setúbal é hoje o município do país, considerando a população envolvida, que tem maior nível de descentralização de responsabilidades para as freguesias, acompanhadas das respectivas compensações financeiras.”

Ao início da tarde, foi inaugurada, no Largo José Afonso, a Árvore da Liberdade. A escultura, com 1,5 toneladas de aço e 50 pétalas no topo, uma por cada ano de democracia, é uma peça do artista setubalense Ricardo Crista. Francisco Alves Rito

Vila Franca de Xira teve desfile da União de Antifascistas

Cerca de 200 pessoas participaram, na manhã desta quinta-feira, no desfile popular comemorativo dos 50 anos da Revolução de Abril organizado pela União de Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP) em Vila Franca de Xira. A iniciativa juntou, também, representações de comissões de utentes de saúde (a região é a mais afectada pela falta de médicos de família no País), do movimento Porta a Porta, de estruturas sindicais, de comissões de reformados e de instituições sociais locais.

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Vila Franca de Xira DR

O núcleo vila-franquense da URAP tem reivindicado junto da Câmara de Vila Franca de Xira a criação de um memorial de homenagem aos 298 presos políticos naturais e/ou residentes no concelho. Entre eles António Dias Lourenço (detido durante 17 anos durante o antigo regime), Severiano Falcão (14 anos) e Domingos Abrantes (11 anos).

José Ernesto Cartaxo, porta-voz da URAP de Vila Franca de Xira, observou que, “passados 50 anos do 25 de Abril, muito foi feito, mas há ainda muito para cumprir e para fazer. O não cumprimento de alguns objectivos de Abril está a abrir caminho para algumas forças retrógradas que tentam alterar a história e fazer crer que o fascismo não existiu ou que não foi assim tão mau. O 25 de Abril não pode ser esquecido”, rematou. Jorge Talixa

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Beja DR

Beja: “Está uma manhã como há 50 anos"

Para os mais velhos, no dia 25 Abril, sobretudo quando se comemoram 50 anos, é tempo de exercitar a memória. E o que a memória recordou a Conceição Mendes foi o estado do tempo na data que para si passou a ser imorredoura: "Hoje está uma manhã como há 50 anos. Nublada, mas sem chuviscos."

A imagem é recordada ao PÚBLICO no Jardim Público de Beja, onde mais de uma centena de crianças pulava nos insufláveis que a autarquia disponibilizou para um dia de festa. Era uma manhã como tantas outras dedicadas ao 25 Abril, mas com uma falta “imperdoável”: raros eram os cravos na mão ou na lapela dos adultos ou das crianças. Apenas uma mulher fazia questão de o trazer na mão, pormenor que justificava interpretar a diferença. "Olhe! Foi-me oferecido pela organização da festa e outro à minha filha.” A criança quis ser fotografada junto de uma estátua viva que representava Natália Correia. O pai lamentava o alheamento de grande parte das pessoas e a ausência de alusões ao 25 de Abril no evento que estava a decorrer no Jardim Público.

Numa das ruas principais da cidade de Beja, um pormenor causava surpresa a uns e choque a outros por ser incoerente com a data em comemoração: quatro imigrantes africanos e um asiático calcetavam o piso com paralelepípedos.

Entretanto, a manhã soalheira foi ocupando o lugar das nuvens e anunciando um esperado dia de calor. Carlos Dias

Aveiro: os espanhóis também celebram Abril

Em Aveiro, no desfile ao longo da Avenida 25 de Abril, ouve-se “25 de Abril sempre, fascismo nunca mais”, intercalado com o som dos bombos e pandeiretas. “Pelo direito à cultura” e “contra o aumento do custo de vida” são algumas das frases impressas nas faixas que vão sendo exibidas pelos manifestantes ao longo do desfile.

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Aveiro DR

Isabel Sánchez, espanhola, de Salamanca, fez questão de marcar viagem para o nosso país nestes dias a fim de comemorar o 25 de Abril. “Porque o fascismo está a crescer na Europa, é uma vergonha”, justifica, enquanto marcha ao longo das ruas de Aveiro.

Em 1974, teve conhecimento da revolução pela rádio. “Ficámos muito surpreendidos. Foi uma revolução sem mortes. Sem tiros”, nota a espanhola de 67 anos que se orgulha de saber cantar Grândola vila morena em português. “Para nós, espanhóis, o 25 de Abril é como uma esperança, a prova de que o povo pode ganhar unido”, vinca.

Mais atrás vai Isabel Tavares, da União de Sindicatos de Aveiro, a vender cravos vermelhos. Já vendeu mais de 200 (a um euro), mas ainda tem uns 50 para vender. “Acho que vão todos”, vaticinava, contente de ver tanta gente na rua. “Todos os anos comemoramos aqui em Aveiro, mas este ano, sendo os 50 anos, está muito mais gente”, testemunha. Maria José Santana

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