100 anos de Jaime Isidoro, 50 anos de Abril

O documentário sobre Jaime Isidoro é um hino de grande pertinência, nestes nossos dias muito conturbados em que o apelo à resiliência é também uma manifestação de arte.

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Quando comemoramos os 50 Anos de Abril comemoramos também os 100 Anos de Jaime Isidoro. A liberdade de Abril foi sempre a liberdade de Jaime Isidoro, mesmo antes de 1974. Liberdade que permitiu à arte em Portugal ser arte antes do tempo. Jaime Isidoro foi um protagonista decisivo para fazer da arte uma revolução de liberdade.

Com efeito, no passado dia 10 de Abril, o Auditório de Serralves divulgou em primeira mão o documentário Jaime Isidro, Divulgador, Coleccionador, Artista, da autoria de Helena Mendes Pereira. Este trabalho fílmico, integrado nas Comemorações do Centenário do Nascimento de Jaime Isidoro, é um documento notável. Principalmente, porque propõe, ao longo dos 80 minutos de projecção, uma viagem ao interior da diáspora de vida de Jaime Isidoro, com o recurso, nomeadamente, a testemunhos dos que com o artista conviveram ou que sobre ele investigaram. Dir-se-ia que existe uma montagem muito interessante (que acrescenta, e que nos espanta também), concatenada (que associa a muitos momentos axiais), ao longo das diferentes sequências de imagens que são de lugares evocadores de memórias e histórias. De facto, o que se vislumbra neste filme é, certamente, a ideia de que a história de Jaime Isidoro, feita de muitas histórias, é a da cidade do Porto, é a da arte moderna, é a da permanente inquietação interrogante que Jaime Isidoro soube, com grande intuição e maestria, dizer a liberdade e a revolução da arte. Por isso, pintor e mobilizador da cultura artística, Jaime Isidoro construiu uma acção pioneira, plural, colectiva, isenta e inclusa.

A história da arte moderna portuguesa conhecida, e oficialmente estabelecida, está consensualmente incompleta, pelo que o pouco conhecimento relativo ao papel pioneiro de Jaime Isidoro na construção de um pensamento artístico cosmopolita e contemporâneo vai implicar uma necessária revisitação da história da arte moderna portuguesa, como aliás Helena Mendes Pereira reconhece, ao referir que o documentário “tem como objetivo reinscrever (...) a sua importância para a História da Arte Portuguesa, a partir da segunda metade do século XX”.

Sem rede ou sem preconceitos, a viagem artística de Jaime Isidoro é pioneira na medida em que facilita conceder ao exercício artístico, sempre entendido como acção plural, a natureza de lugar central na vida de cada um de nós. E se a arte é o que nos salva, Jaime Isidoro constrói, depois das galerias Alvarez e Dois, a Casa da Carruagem como sendo uma espécie de centro do mundo, de um lugar que intersecciona a história e os protagonismos, balizando o experimentalismo em estado de permanente acção e revolução. Jaime Isidoro, que integrou a Escola do Porto, atribuiu-lhe uma dimensão expandida, na medida em que sempre suscitou a criação de pontes entre afirmações, tanto de natureza individual como colectiva – em verdadeiro espírito de Abril.

Este documentário revela esta realidade muito rica de factos e testemunhos, fazendo com que exista um sentido pedagógico muito forte. Aliás, o mérito, em Jaime Isidoro, de construção de memória para o futuro, é o que dá a ver a arte como lição de liberdade.

O filme permite, ainda, o relançamento da possibilidade de equacionarmos, de uma outra maneira, o que foi, e o que será, a memória da história de Jaime Isidoro para as gerações vindouras. Aliás, recorde-se que, desde sempre, Jaime Isidoro “já estava na revolução”, muito antes do 25 de Abril de 1974. E é interessante que o próprio Jaime Isidoro tenha lançado esse repto no final do documento (através da recuperação de imagens de arquivo), fazendo ecoar a mensagem final do documentário – dizer a história em aberto. Por redescobrir, por investigar. Isto é, dar a conhecer Jaime Isidoro nas suas múltiplas dimensões é o repto que o documentário faz ao consubstanciar o princípio de que em Jaime Isidoro, a arte sou eu (expressão do próprio).

Testemunho de liberdade e de revolução, o documentário sobre Jaime Isidoro é um hino de grande pertinência, nestes nossos dias muito conturbados, em que o apelo à resiliência é também, como sempre foi, uma manifestação de arte. Jaime Isidoro soube abraçar a arte e os artistas, isto é, a liberdade. Assim, este documentário permite equacionar, de uma outra maneira, o que foi, e o que será, a memória da arte, porque há sempre uma história por reescrever. Que é também a possibilidade de encontrarmos na memória da arte o caminho de uma educação para a liberdade. Uma outra forma de olharmos para a história de Abril.

Nestes 100 Anos de Jaime Isidoro comemoramos a arte, mas também comemoramos os 50 Anos de liberdade de Abril.

O documentário, que conta com os testemunhos de Albuquerque Mendes, Alfredo Barreto, António Quadros Ferreira, Armando Alves, Augusto Canedo, Bernardo Pinto de Almeida, José Manuel Carpinteira, Daniel Isidoro, Helena Mendes Pereira, Henrique Silva, Júlio Gago, Laura Castro, Mário Cláudio, Silvestre Pestana, Álvaro Siza Vieira e Zulmiro de Carvalho, foi realizado por Helena Mendes Pereira e Luar Imagem, e produzido pela Luar Imagem, e com a promoção da Fundação Bienal de Arte de Cerveira.

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