Ambientalistas querem Mundial de futebol com “emissões de carbono muito baixas”

ONG catalã quer Mundial “livre de viagens aéreas entre as cidades-sede” e diz que ideia “é totalmente viável com a rede ferroviária que está prevista para Espanha, Portugal e Marrocos”.

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Alta velocidade está a expandir-se por toda a Europa Daniel Rocha?
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Comboios. Sobretudo os de alta velocidade, mas também os convencionais e bastantes comboios nocturnos. Eis a chave da Fondació Mobilitat Sosteníble i Segura, uma organização não governamental (ONG) sediada em Barcelona, para as deslocações dos adeptos, jogadores e equipas técnicas do Mundial de 2030 entre as cidades nas quais se realizam os jogos, bem como a sua vinda desde França, Inglaterra, Bélgica, Países Baixos, Alemanha, Suíça e Itália.

Um estudo daquela fundação diz que, com os investimentos previstos para a ferrovia nos três países do Mundial, é possível realizar este evento desportivo com “emissões de carbono muito baixas e livre de viagens aéreas entre as cidades-sede”. Os especialistas debruçaram-se sobre os tempos de viagem em comboio previstos para 2030 na Península Ibérica e concluíram que “a maioria das viagens tem tempos de deslocação competitivos em relação ao modo aéreo, beneficiando do acesso facilitado ao centro das cidades”.

Em causa estão as ligações entre Barcelona, Saragoça, Madrid, Valência, Sevilha, Málaga, Bilbau, Vigo, Corunha, Porto, Lisboa e Algeciras, entre as quais será possível viajar em menos de 6h30 em 77% dos casos. Para as viagens com duração superior a 6h30, os ambientalistas propõem que estas sejam “realizadas em confortáveis comboios nocturnos”.

O transporte em comboios nocturnos é também a solução preconizada para as deslocações de adeptos e jogadores desde a parte ocidental da Europa. Mas, ainda assim, haverá deslocações fazíveis em menos de 6h30, como é o caso das viagens a partir de Paris, Marselha, Lyon e Toulouse com destino a Barcelona e Saragoça. Toulouse estará a menos de 6h30 também de Madrid e Valência. E Lille estará a apenas 6h00 de Barcelona, sendo também possível ir, sobre carris, de Turim a Barcelona em menos de 6h00.

O estudo reconhece que “será necessária uma oferta significativa de comboios nocturnos” e apresenta soluções inspiradas em algumas modernas carruagens-cama actualmente em serviço na Europa que possuem compartimentos com elevado conforto para duas ou quatro pessoas.

Mas na Península Ibérica as deslocações propostas são essencialmente em comboios diurnos rápidos. Espanha já se sabe que tem a mais extensa rede de alta velocidade da Europa e até 2030 estima-se que mais linhas estejam concluídas no País Basco e também entre Barcelona e Valência, Madrid e Plasencia e Saragoça-Pamplona-Vitoria.

Marrocos já possui a melhor rede ferroviária de alta velocidade de África, incluindo o trajecto entre Tânger e Casablanca, com planos para expandir para outras cidades, como Rabat.

E Portugal? O estudo acredita nos planos portugueses para chegar a 2030 com melhorias significativas nas ligações entre Lisboa-Porto, Porto-Vigo e Lisboa-Elvas-Badajoz. O suficiente para pôr Lisboa a 4h30 de Madrid, a seis horas de Saragoça, Valência e Sevilha, e a 7h30 de Barcelona.

Quanto às deslocações para Marrocos, os especialistas recordam que a travessia entre Algeciras e Tânger é feita, num barco rápido, em apenas 30 minutos.

Os passageiros de outros continentes não poderão chegar às cidades-sede de comboio, a menos que façam uma escala noutra cidade europeia. Mas os que vierem da parte ocidental da Europa – que serão a maioria – poderão fazê-lo atravessando os Pirenéus, quer pelo eixo Figueres-Perpignan, quer pelo eixo Hendaya-Irún. O estudo diz que “Paris, Lyon e Bordéus funcionarão como nós das ligações da Europa com Espanha e Portugal” e que serão alcançados “tempos de viagem muito atractivos porque vão de centro a centro das cidades, algo que o avião não faz, e com emissões próximas de zero”.

Com estas premissas, os ambientalistas estão convencidos de que é possível evitar as poluentes viagens aéreas entre as cidades-sede do Mundial, as quais poderão ser feitas num modo de transporte mais amigo do ambiente. Basta dizer que as linhas férreas electrificadas em Espanha são alimentadas por electricidade 100% renovável certificada, resultando em zero emissões. E que em Portugal se prevê que, até 2030, pelo menos 90% da electricidade seja gerada a partir de fontes renováveis.

A Fondació Mobilitat Sosteníble i Segura considera que “as alterações climáticas são a questão mais importante da agenda internacional”, que Portugal e Espanha estão entre os países europeus mais afectados por esse fenómeno e que a ferrovia é considerada parte da resposta para enfrentar esse desafio. Um estudo recente, denominado Barcelona Destination Zero Emissions, financiado pela Câmara Municipal de Barcelona, concluiu que 95% das emissões numa viagem de longo curso são geradas durante a viagem. Por isso, “um campeonato mundial com emissões próximas de zero depende muito mais da forma do acesso aos locais dos jogos, que do comportamento dos visitantes durante sua estadia nas cidades-sede”.

Acácio Pires, da Zero (associação que faz parte da Aliança Ibérica para a Ferrovia), reconhece que Portugal “não tem sido famoso em termos de concretização de projectos ferroviários, mas, como salientou recentemente um responsável da Comissão Europeia, a realização do Mundial de futebol nos dois países é uma oportunidade para acelerar os investimentos necessários”. Em declarações ao PÚBLICO, defende que o novo Governo diligencie junto da IP “para que sejam de imediato actualizados os estudos para a ligação entre Lisboa e Évora, incluindo a terceira travessia do Tejo exclusivamente ferroviária”.

O dirigente ambientalista considera crucial esta infra-estrutura e recorda que a “ponte Vasco da Gama, que foi um erro de ordenamento do território, demorou menos de quatro anos a ser construída”, não havendo razões para que a terceira travessia não esteja concluída antes de 2030, por forma a encurtar os tempos de percurso entre Lisboa, Madrid, Alentejo e Algarve.

Por outro lado, os governos de Portugal e Espanha “devem prestar a máxima atenção às dimensões da interoperabilidade que coloquem dificuldades à execução do plano de serviços e à criação de uma rede ibérica de serviços nocturnos”.

Aquando das Jornadas da Juventude, que decorreram em Lisboa em Agosto passado, não houve qualquer reforço da oferta ferroviária entre Portugal e o país vizinho. Centenas de milhares de peregrinos vieram de Espanha em autocarro ou automóvel, sem ter havido um único comboio especial a cruzar as três fronteiras ferroviárias entre os dois países.

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