No mar alto da Inteligência Artificial

Os professores que não souberem usar a IA ficarão obsoletos e sem qualquer tipo de competências de gestão de uma aula no presente.

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"Não podemos pensar em ensinar os nossos alunos a nadar, sem que os coloquemos dentro de água" Marco Bento
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Aprender, nos dias de hoje, exige uma complexa combinação de equipamentos, recursos, espaços e metodologias que têm em comum alguns aspetos, tais como a simplicidade, a possibilidade de interação e colaboração, a eficiência, a eficácia, a flexibilidade e a mobilidade. Vamos assistindo a algumas alterações de práticas tradicionais, por parte dos professores, para práticas pedagógicas, nas quais o centro se desloca para a aprendizagem do aluno.

Hoje, é plenamente possível, aproveitar todo o potencial que a Inteligência Artificial (IA) tem para oferecer a qualquer hora e em qualquer lugar, no processo de aprendizagem. Deste modo, basta pensar na enorme vantagem que é um aluno poder ter um tutor de aprendizagem os sete dias por semana e nas 24 horas por dia, sobre os mais variados assuntos.

Do ponto de vista do potencial é como termos a possibilidade de estar à conversa com todos os professores catedráticos do mundo, sem limites de tempo e espaço. Os alunos não dependem mais de processos de aprendizagem exclusivos do espaço escola, mas dependem e muito da ajuda que os professores lhes possam fornecer para serem eficientes nas interações com esta IA. Mais do que servir para motivar qualquer aluno, a IA tem o propósito de aprofundar e permitir adquirir um conjunto de competências de aprendizagem, que de outro modo, seriam impossíveis ou muito mais difíceis, tornando o processo cada vez mais eficiente.

Quando usadas de forma apropriada e consciente, estas tecnologias de IA generativa estão intimamente relacionadas e interdependentes com o nosso quotidiano, fornecendo aos professores um novo conjunto de soluções pedagógicas para enriquecerem a sua prática letiva e o processo de aprendizagem. Quanto maior for o envolvimento do aluno na manipulação criativa, na pesquisa e na interação com o próprio conhecimento, na descoberta de novas formas de expressão de saberes, maior será a sua eficácia didática deste processo.

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Urge uma necessidade enorme dos professores reconhecerem esta transformação. Se pensarmos bem, em grande parte das escolas e universidades, a IA já está a ser usada, manipulada com ou sem a permissão dos professores e será bom que tenhamos essa consciência, ou estaremos a ser ingénuos ao ponto de pensarmos o contrário? Aliás, é muito interessante ouvir, principalmente, de dentro do próprio sistema educativo, quem considere a possibilidade de proibir o uso da IA ou de qualquer outro tipo de tecnologia, sendo, desde logo, algo totalmente impossível de ser feito. Mas mais interessante ou ameaçador é pensarmos que conseguimos ter uma escola dentro de uma redoma, como se pudesse isolar-se do mundo, para o qual prepara (ou diz preparar) os alunos.

Naturalmente, que quando Alan Turing, nos anos 1950 se questionou sobre o pensamento das máquinas, e deu um passo enorme no que ao desenvolvimento da IA diz respeito, estaria longe de imaginar que a ficção dos filmes como Exterminador Implacável poderia ser tão real e em tão pouco tempo.

Na realidade há pouca consciência humana sobre o fenómeno avassalador da IA e como esta se encontra tão incrementada na sociedade, pois foi com o ChatGPT que esta se deu a conhecer ao grande público, mas esquecemos que navega entre nós desde os anos 1950 e nem demos por isso. Se repararmos, quando estamos, ainda, a pensar em comprar uns sapatos, nas mais variadas aplicações do nosso smartphone, surgem sugestões sobre o tipo de sapatos, o local e preços, de acordo com o que pretendemos e podemos adquirir. Ninguém considerou estranho que quando ligamos a Netflix ou outro qualquer canal de streaming, surgem “apenas” os filmes baseados no perfil de visualização, preferências de atores ou atrizes, tipos de filmes, ou até baseado nas nossas crenças e pensamentos que vamos demonstrando ao longo da nossa atividade dentro de uma aplicação.

Estes são apenas os pequenos factos da nossa vida, agora imaginemos o grau de profundidade em que a IA já está a condicionar as nossas escolhas. Assim, temos hoje ferramentas concebidas pelo próprio ser humano, que recolhe dados e os interpreta de forma veloz e na mesma velocidade estabelece raciocínios e processa a informação recolhida de diversas fontes para tomar decisões de forma eficaz. Se por um lado, parece que aceitámos os sistemas como a Siri, o Assistente Google, entre outras para nos ajudar a tomar decisões na nossa vida pessoal, por outro, estamos a lidar com o natural receio, medo e pânico, quando surge uma tecnologia como o Copilot, Gemini ou CHAT GPT na Educação. Estas ferramenta colocam o motor de busca do Google num patamar de eficácia muitíssimo inferior se compararmos com o que a IA permite.

Evidentemente, que os arautos da desgraça educativa olham para estas ferramentas com a mesma diabolização de qualquer novidade tecnológica, porque, enquanto se pensar numa ação pedagógica baseada em transmissão e testagem de conhecimento, é evidente que esta tecnologia coloca tudo em causa. Podemos aproveitar a oportunidade de repensar a forma como se aprende, e esta tecnologia ser usada de forma a colocar alunos e professores a pensar criticamente sobre o conhecimento.

Já são várias as escolas e universidades a tentar proibir o uso desta ferramenta, sob o argumento de que os alunos podem copiar testes, exames, trabalhos, como se nos ambientes analógicos nunca tivesse existido cópia ou plágio.

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A questão que nos deve preocupar é a forma como permanece a “entrega” de uma aula e a forma como se recolhem dados para avaliar os alunos. Ou seja, se pensarmos numa tipologia de professor que entrega uma proposta de trabalho ao aluno para que ele a realize, tendo o professor no final apenas o papel de ler e classificar, esse professor merece que o trabalho seja realizado pela IA. Agora, se o professor acompanhar a realização de trabalho, se este for feito em aula com o professor, num sistema de feedback e avaliação sistemática da compreensão do aluno, permitindo o uso da IA para que o aluno vá defendendo as suas ideias, por que razão não poderá ser usada? Se o aluno compreender e aprender, se o aluno defender o seu pensamento sobre o que a IA lhe forneceu, por que razão não a poderemos utilizar?

O fundamento da escola é a aprendizagem dos alunos e o pensamento crítico sobre a mesma e esse processo não se altera com a IA, colocando o professor num patamar superlativo de ajuda e análise, de condução e entrega, aumentando desde cedo o trabalho sobre a ética na aprendizagem, numa cultura de valores que urge, necessariamente, ser integrada no processo educativo.

Será bom percebermos que a IA ajudar-nos-á a filtrar informação e resumir textos, filmes, e milhares de conteúdos que, infelizmente, no nosso tempo de vida, será impossível de lermos ou vermos. Assim, podemos ajustar os milhares de dados informativos aos nossos processos de aprendizagem crítica. Sabemos que a IA permite personalizar a aprendizagem dos alunos e desenvolver competências de raciocínio, pensamento crítico e capacidade de resolução de problemas, de forma a aumentar a inteligência humana, ao invés de diminuí-la.

Os alunos devem ser tutores entre si e com a IA no modo moderador virtual, num processo de permanente colaboração, para que de uma forma rápida se possa interpretar e aprender em conjunto. Os professores, ao invés de recearem, perceberão que têm um aliado a analisar processos em tempo útil, proporcionando ao aluno um percurso de aprendizagem mais eficaz.

Naturalmente, que os perigos e ameaças são constantes como noutras tecnologias da nossa vida, mas estes só se combatem com informação o mais cedo possível. Torna-se cada vez mais evidente, que se não usarmos a IA na escola e se não prepararmos os alunos para estes contextos, eles vão continuar a usar, mas sem moderação, controlo ou educação, podendo colocar em risco os seus dados, não aprenderem a filtrar a fidedignidade da informação e retirar a ética dos seus valores humanos.

Cabe à escola, aos professores e aos alunos. Todos devem ser expostos o quanto antes a estes cenários, de forma a aprenderem sobre ética e literacia digital nos primeiros anos de idade e assim, serem críticos sobre os processos de leitura e entrega de dados pessoais, como, aliás, foi bem evidente no caso da WorldCoin e da falta de literacia na entrega de um dado como a leitura de retina por mais de quatro milhões de pessoas em todo o mundo, o que só ilustrou o quanto este é um problema de Educação (ou falta desta).

A utilização da inteligência artificial generativa deve ser usada como suporte para a aprendizagem – feedback, metacognição, autorregulação, desenvolvimento do espírito crítico por parte dos alunos em quatro patamares distintos: observação, emulação, autocontrolo e autorregulação. Os professores que não souberem usar a IA ficarão obsoletos e sem qualquer tipo de competências de gestão de uma aula no presente. Os professores precisam compreender a alteração dos seus modelos e abordagens pedagógicas, compreendendo as vantagens da personalização da aprendizagem, de cada aluno poder interagir com a IA de acordo com as suas necessidades específicas de aprendizagem, aprenderem a construírem interações colaborativas de atividades didáticas.

Não podemos pensar em ensinar os nossos alunos a nadar, sem que os coloquemos dentro de água. Evidentemente, e tal como numa aula de natação, não se pode começar a nadar em mar alto, mas sim, em piscinas com pé, com nadador salvador, materiais de apoio e com professores especializados, para garantirmos o sucesso. Porém, como numa aula de natação, o risco de afogamento existe, mas é através de condições graduais e com especialistas que se reduz o risco de afogamento. Em suma, atualmente, os nossos alunos ou não nadam ou andam sozinhos em mar alto.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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