Aos 60 anos, o golpe militar brasileiro é ignorado por Lula

O Presidente brasileiro, que chegou a ser preso durante a ditadura, proibiu o Governo de organizar qualquer campanha sobre o período. Organizações de defesa dos direitos humanos criticam opção.

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Lula proibiu campanhas relacionadas com o golpe militar de 1964 EPA/ANDRE COELHO
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A passagem do 60.º aniversário do golpe militar que impôs uma ditadura que duraria duas décadas no Brasil está marcada pelas críticas ao Presidente Lula da Silva por ter ignorado a efeméride. Lula quer apaziguar as tensões com o Exército, mas é acusado de menosprezar a data e de nada fazer para ajustar as contas com o passado.

Nos últimos quatro anos, com Jair Bolsonaro na presidência, o golpe militar que a 31 de Março de 1964 derrubou o Governo democraticamente eleito de João Goulart passou a ser descrito como uma “revolução”. Bolsonaro, um entusiasta do período ditatorial, entrou numa batalha judicial durante a sua presidência pelo direito de poder comemorar o golpe militar, que chegou a designar como “grande dia da liberdade”.

Com Lula, que chegou a ser preso durante a ditadura, esperava-se uma mudança de 180 graus. O Partido dos Trabalhadores (PT) tem um historial de oposição à ditadura e foi com a ex-Presidente Dilma Rousseff que se instituiu a Comissão da Verdade, em 2011, como primeira entidade estatal para investigar as violações de direitos humanos durante o período ditatorial. A própria Dilma foi presa e torturada pelos militares por pertencer a organizações designadas como terroristas na altura.

Porém, o Governo federal decidiu ignorar o aniversário, dando instruções expressas a todos os ministérios e organismos públicos para que não façam manifestações para assinalar ou repudiar o golpe, que celebra 60 anos. O Ministério dos Direitos Humanos, chefiado pelo académico Sílvio Almeida, teve de cancelar uma acção de homenagem aos perseguidos pelo regime militar no Museu da República, no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, e até já tinha criado um slogan para uma campanha pública.

O objectivo, segundo a imprensa brasileira, é o de evitar situações de atrito com as Forças Armadas. Em Fevereiro, Lula disse que não queria “remoer no passado” e que os acontecimentos que levaram à instauração da ditadura “já fazem parte da história”. O Governo quer normalizar as relações com os militares na sequência da insurreição de Brasília de 8 de Janeiro de 2023 e da alegada tentativa de golpe de Estado que, segundo as investigações policiais, terá tido a participação de oficiais.

A ausência de qualquer acto para assinalar o aniversário do golpe militar ou para recordar as vítimas da ditadura motivou críticas de várias organizações que se têm empenhado pela defesa da memória histórica no Brasil. No mês passado, mais de 150 entidades subscreveram uma carta aberta em que criticam a postura de Lula, que acusam de “cobardia”.

“Silenciar sobre o que foi aquele momento é abrir caminho para que parcelas da sociedade sigam acreditando em soluções autoritárias e projectos socioeconómicos regressivos”, declarou a Coligação Brasil por Memória, Verdade, Justiça, Reparação e Democracia, que junta vários grupos de defesa dos direitos humanos.

Também é alvo de críticas o adiamento constante por parte do Governo de Lula da reactivação da Comissão de Mortos e Desaparecidos, destinada a localizar vítimas do regime militar, corpos de mortos pela polícia política e indemnizar as famílias, que tinha sido extinta por Bolsonaro. Lula prometeu que o trabalho da comissão seria retomado com financiamento adicional, mas, mais de um ano depois de ter tomado posse, nada foi ainda feito.

Apesar das críticas, a população brasileira parece estar maioritariamente de acordo com a posição de Lula de não assinalar o aniversário do golpe de 1964. Uma sondagem do instituto Datafolha divulgada neste domingo mostra que 63% dos inquiridos defendem que a data deve ser ignorada, enquanto apenas 28% entendem que seria necessário assinalá-la.

O mesmo estudo mostra que 53% dos brasileiros estão convictos de que as hipóteses de o Brasil poder vir a tornar-se uma ditadura é remota, o que representa a fatia mais elevada desde 2020 a partilhar desta opinião, segundo a Folha de S. Paulo.

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