Inteligência Artificial e a imperativa necessidade de revolucionar a “gramática escolar”

A Inteligência Artificial pode assumir um papel relevante se aprendermos a formular e a contextualizar as perguntas para as quais queremos obter respostas.

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Há uma idade em que se ensina o que se sabe; mas vem em seguida outra, em que se ensina o que não se sabe: isso se chama pesquisar. Vem talvez agora a idade de uma outra experiência, a de desaprender, de deixar trabalhar o remanejamento imprevisível que o esquecimento impõe à sedimentação dos saberes, das culturas, das crenças que atravessamos. Essa experiência tem, creio eu, um nome ilustre e fora de moda, que ousarei tomar aqui sem complexo, na própria encruzilhada de sua etimologia: Sapientia: nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria, e o máximo de sabor possível.

Roland Barthes. Lição

Defenderemos aqui a tese que de pouco vale incrementar o uso da dita “inteligência artificial” se, ao mesmo tempo, não reorganizarmos os modos de gestão do currículo, de agrupar os alunos (fora da prisão dos anos de escolaridade e das turmas), de organizar os espaços (fora da lógica da “caixa de ovos”), de organizar os tempos (fora das grelhas horárias fixas e iguais para todos), de pensar e praticar o trabalho docente e discente.

É certo que precisamos de passar de uma pedagogia do quadro negro para uma pedagogia dos quadros digitais generativos. Passar dos quadros vazios onde nada existe para os quadros repletos de milhões de informação; dos quadros fixos que estruturam uma pedagogia da clausura fundada na receção e na passividade para os quadros móveis que abrem a possibilidade de aprender em qualquer lugar; dos quadros que instituem uma relação vertical de transmissão do já sabido para uma lógica mais horizontal da interação, da pesquisa e do trabalho colaborativo; passar da lógica massificadora do “ensinar a todos como se todos fossem um só” para uma lógica da personalização em que os alunos podem aprender o que ainda não sabem. Passar, enfim, de uma ordem da reprodução, da repetição, da cópia e do ditado para uma ordem da criação e reinvenção.

Esta revolução nos modos de ensinar e de fazer aprender os alunos é inadiável e muitos professores a vão já ensaiando e recolhendo os frutos de uma participação e apropriação ativa dos conhecimentos, de uma produção crítica de novos saberes e saber-fazer, usando múltiplas fontes e aferindo a confiabilidade da informação obtida. Neste cenário a “Inteligência Artificial” (AI) pode assumir um papel relevante se aprendermos a formular e a contextualizar as perguntas para as quais queremos obter respostas, se soubermos aferir a validade da informação obtida, se aprendermos a personalizar as aprendizagens relevantes, se potenciarmos a diferenciação pedagógica, se treinarmos o uso produtivo do “feedback” (preciso, positivo, atempado, formativo, personalizado…), se cuidarmos da salvaguarda das questões éticas (autoria, verdade…), se democratizarmos o acesso a estas ferramentas. Numa palavra, se adotarmos uma gramática generativa e transformacional que opere uma renovada gestão global das aprendizagens dos alunos (e dos professores).

Esta é uma gramática da libertação: “do currículo único pronto a vestir”, dos espaços e tempos padronizados e uniformes, de uma pedagogia da clausura e da repetição, de um trabalho docente individual, sofredor e solitário, do tédio de ter de aprender o impertinente e irrelevante que faz os alunos prisioneiros de uma escolarização sem sentido, do cansaço de uma ordem burocrática que asfixia os professores e lhes retira a vontade de criar e praticar a pedagogia da emancipação.

Este é, pois, o tempo da procura de novos cenários e novos ambientes de aprendizagem. De novos e exigentes contratos didáticos. De novas formas de fazer aprender os alunos seguindo os quatro pilares da educação enunciados pela UNESCO no longínquo ano de 1996, no célebre relatório “Educação: um tesouro a descobrir”: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a conviver. Temos hoje novas ferramentas para encontrar e desenvolver este tesouro.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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