Manuel Serrão é cônsul honorário da Etiópia e teria privilégios por isso

Empresário nortenho terá um cartão consular que lhe dará algumas regalias e manterá contactos estreitos no continente africano.

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Serrão participou, no ano passado, na recepção ao presidente da associação de municípios da Etiópia na Câmara de Matosinhos DR
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É uma faceta menos conhecida do empresário Manuel Serrão, que, pelo menos durante a última década, manteve o cargo de cônsul honorário da Etiópia no Porto. O consulado funcionava no escritório da Associação Selectiva Moda, uma entidade dedicada a impulsionar internacionalmente o sector têxtil português, da qual Serrão é vogal da direcção.

As autoridades suspeitam que, na qualidade de cônsul honorário, Manuel Serrão terá acesso a um cartão consular que lhe dará alguns privilégios, nomeadamente para circular em determinados países. O cargo mostrará que o empresário portuense mantém contactos estreitos no continente africano.

Apesar de o nome de Serrão só aparecer na lista do corpo diplomático acreditado em Lisboa em 2012 e não já noutros posteriores, ainda o ano passado o empresário esteve na qualidade “cônsul honorário da Etiópia no Porto” numa comitiva “da República Democrática Federal da Etiópia que se encontrava em Portugal à procura de novas oportunidades de negócio” e a estabelecer “contactos para futuros investimentos”.

A comitiva foi recebida em Julho do ano passado na Câmara de Matosinhos, o município onde a Selectiva Moda e o consulado estão localizados, tendo sido recebida pelo vice-presidente, Carlos Mouta, e pelo vereador da Cultura, Fernando Rocha, como dá conta a própria autarquia numa nota informativa colocada no seu site.

O objectivo, refere a nota, foi a assinatura de um “acordo de aproximação das cidades de Matosinhos e Hawassa", capital de uma região no sul da Etiópia.

A acompanhar Manuel Serrão estava o presidente da Câmara de Hawassa, Tsegaye Tuke Kia, que, segundo a da autarquia de Matosinhos, é simultaneamente o presidente da Associação dos Municípios da Etiópia, e o gestor do parque industrial de Hawassa, Matiwos Ashenafi Giraye, além da embaixadora de Portugal na capital etíope, Luísa Fragoso.

Depois de um périplo pelo concelho, houve uma sessão na câmara onde “foi assinado um acordo de cooperação com o objectivo de iniciar os procedimentos para a aproximação entre as cidades de Matosinhos e Hawassa, com vista ao estabelecimento de relações mais profundas, tendentes à eventual geminação entre si”.

O site embassypages –​ que se apresenta como o directório mais completo e preciso de embaixadas e consulados do mundo – identifica Manuel Serrão como cônsul honorário da Etiópia no Porto, apresentando como morada e contacto telefónico do consulado os mesmos que são usados pela Selectiva Moda. O mesmo acontecia em 2012 na lista oficial do corpo diplomático acreditado em Lisboa: nessa altura, contudo, o email de contacto era modtissimo.ms@mail.telepac.pt. Agora aparece no site embassypages consuladoetiopia.porto@gmail.com.

Contactado pelo PÚBLICO, o advogado do empresário nortenho, Marinho Falcão, recusou-se a fazer comentários, voltando a repetir que não fará a defesa do cliente na praça pública.

Apesar da Operação Maestro, um caso de alegada fraude na obtenção de fundos europeus que tem Serrão como figura central, ainda não ter arguidos, o PÚBLICO sabe que tal deverá mudar nas próximas semanas. A intenção do Ministério Público será notificar os principais suspeitos para serem ouvidos como arguidos num primeiro interrogatório judicial, para que um juiz de instrução lhes possa aplicar medidas de coacção. O habitual nestes casos de fraude é exigirem-se cauções aos arguidos.

Nas buscas da operação, que começaram na passada terça-feira e que ainda decorriam em alguns locais esta sexta-feira, a Polícia Judiciária visitou, entre as perto de oito dezenas de locais, a actual residência de Serrão, um pequeno apartamento localizado na Secção Regional Norte da Ordem dos Médicos.

Apartamento na Casa do Médico

Serrão, que segundo a investigação terá vivido pelo menos oito anos no hotel de luxo Sheraton, no Porto, estaria agora num dos 45 apartamentos que a Casa do Médico disponibiliza aos seus associados, o que o empresário terá conseguido através de uma irmã, licenciada em medicina.

As instalações têm serviço de recepção, vigilância permanente, limpeza, e, para os interessados, servem pequeno-almoço. Os residentes também têm acesso gratuito à piscina da Ordem.

No centro deste inquérito estão 14 projectos financiados por fundos europeus (12 dos quais apresentados pela Selectiva Moda) que geraram pagamentos, a título de reembolsos ou adiantamentos, de 38,9 milhões de euros. A suspeita é que um rol de mais de uma dúzia de empresas que Serrão controlaria directa ou indirectamente –​ quer através de um cunhado, quer através de amigos – serviram para ficcionar contratos e emitir facturas falsas que serviam para justificar despesas que seriam suportadas na totalidade ou em parte pelos fundos comunitários.

O Ministério Público suspeita que os 372 mil euros que a Selectiva Moda pagou ao hotel Sheraton tenham sido financiados directa ou indirectamente por fundos europeus.

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