“Desejo a morte”, diz Alma, a menina de Gaza que viu a família morrer num ataque

Aos 12 anos, uma menina palestiniana sobreviveu ao bombardeamento que lhe levou o pai, a mãe e os quatro irmãos. “Sinto uma dor no coração e isso ficará comigo para o resto da minha vida”, conta.

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Alma é uma entre milhares de crianças palestinianas tornadas órfãs pelo conflito Reuters/WORLD HEALTH ORGANIZATION
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"Não me ajude primeiro. Ajude a minha mãe e o meu pai. E, por favor, ajude o meu irmão, Tarazan. É um bebé de 18 meses", disse Alma Jaroor à equipa de resgate que, no dia 2 de Dezembro de 2023, a tentou tirar dos escombros de um prédio de cinco andares em Gaza atingido num bombardeamento.

Alma estava com os pais e os quatro irmãos num prédio no centro de Gaza. Era apenas a morada temporária mais recente: desde o início da ofensiva israelita lançada em Outubro, tinham passado por outros dois locais em fuga aos ataques aéreos. Todos foram bombardeados. Agora, três meses depois da morte da família, a criança de 12 anos contou a sua história a uma repórter da BBC.

Eram seis da manhã quando Alma foi acordada por um ataque aéreo. Terá estado inconsciente durante três horas, mas quando a equipa de resgate palestiniana chegou ao local, foi sem ajuda que conseguiu emergir dos escombros de cimento. Foi então que viu o irmão. "Conseguia cheirar o sangue", mas, ainda assim, mantinha viva a "esperança de que algum deles estivesse vivo". O estado em que encontrou o bebé era "inimaginável", e, conta, assombra até hoje os seus pensamentos. O irmão tinha "a cabeça decepada" e, ao recordá-lo, vê-se no vídeo publicado pela BBC, Alma fica muda por instantes. "Desejo a morte depois de o ter visto assim", diz. "O que ele fez nesta guerra?”, questiona.

O pai Mohammed (35 anos), a mãe Naeema (38), os irmãos Ghanem (14) e Kinan (6), e a irmã Reehab (11) – foram dados como mortos, mas os seus cadáveres não puderam ser retirados dos escombros. "Os corpos da minha família estão a decompor-se sob os escombros. Anseio vê-los e dar-lhes um enterro digno", conta.

Agora, Alma vive com o tio, Sami, e os primos numa tenda em Rafah, no Sul da Faixa de Gaza. Explica que já não chora a toda a hora porque sabe que "os pais estão felizes no céu". “Tive sonhos que queria realizar [queria ser médica], mas agora já não os tenho. Sinto uma dor no coração e isso ficará comigo para o resto da minha vida, porque eles eram a minha família, os meus pais, a minha irmã e os meus irmãos. E todos eles desapareceram, numa noite".

Israel não confirmou à BBC ter atingido o prédio de Alma, mas a família culpa o Estado hebraico. Alma sonha em sair um dia de Gaza e visitar a avó, que vive no estrangeiro: “Quero ir até ela, abraçá-la e sentir-me segura”.

De acordo com a Organização das Nações Unidas, os ataques israelitas já vitimizaram 13 mil crianças, e uma em cada três com menos de dois anos anos no Norte da Faixa de Gaza está gravemente subnutrida. Pelo menos 31.988 palestinianos foram mortos desde o início desta nova fase do conflito no Médio Oriente, a 7 de Outubro de 2023, quando o Hamas atacou Israel, desencadeando uma brutal ofensiva retaliatória. Gaza tornou-se um pesadelo, com a morte a pairar sobre as cabeças de mais de um milhão de habitantes.

Texto editado por Pedro Guerreiro

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