Dia Mundial da Água e da sede de ação

Pergunto, com alguma perplexidade: nós portugueses, que literalmente jorramos fora setenta e três mil piscinas olímpicas de água por ano, somos os mesmos que nos inquietamos com a seca extrema?

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Em Portugal existe hoje menos 20% de água disponível do que no século passado. Além disso, devido a inúmeras fugas, mais de 40% da água que circula nas condutas é desperdiçada. Os dados são do estudo Riscos Climáticos e a Saúde dos Portugueses – Futuros por imaginar e construir, o terceiro do Projeto Saúdes.

O texto podia acabar já aqui pois, perante a gravidade dos números, não deveria ser preciso dizer mais nada para nos sentirmos convocados a alterar, com urgência, os nossos comportamentos. Ainda assim, e porque o Dia Mundial da Água convida a reflexões, continuemos.

O mesmo estudo questionou os/as portugueses/as sobre a escassez da água e concluiu que para uma grande maioria de nós — mais de 60% — as secas extremas são vistas como o problema ambiental que mais pode vir a impactar a nossa saúde. E agora pergunto, com alguma perplexidade: nós portugueses, que literalmente jorramos fora cerca de setenta e três mil piscinas olímpicas de água por ano* , somos os mesmos que nos inquietamos com a seca extrema, pela ameaça que representa para a nossa saúde futura? E vivemos nesta incongruência, como quem caminha confiante para um precipício, sem mudar hábitos e rotinas?

Em abono da verdade, ainda que isso não nos desculpe nem alivie, o problema não é apenas português. Devido às alterações climáticas — por um lado, com as secas extremas e os níveis médios de precipitação a baixar (e consequentemente também os valores de água no solo); por outro, com as cada vez mais frequentes inundações, que provocam a degradação da qualidade da água — hoje, em todo o planeta, a sustentabilidade e disponibilidade dos recursos hídricos estão ameaçadas. Segundo a Organização Mundial de Saúde, dois mil milhões de pessoas, 25% da população mundial, não têm acesso a água potável. À escala global, a má qualidade da água provoca, por ano, mais de 800 mil mortes.

Além de nos alertar para todos estes problemas, o Estudo do Projeto Saúdes também sensibiliza para a urgência de novas resoluções e novos métodos de combate ao problema, e para a necessidade de alterarmos os padrões de uso e consumo.

Pelo mundo fora, e também em Portugal, temos alguns bons exemplos de táticas que estão a ser encontradas para reduzir a poluição e a escassez de água. Exemplo disso são os coletores de nevoeiro — em Espanha, no Chile e até em Portugal (pilotos em Carregal do Sal e Vouzela) —, que servem como caçadores de partículas de água da humidade, ou as cidades-esponja — na China —, que previnem as cheias e asseguram a qualidade da água para a população.

São, sem dúvida, casos importantes e encorajadores. Ainda assim, estamos longe de poder ver o copo meio cheio. Realismo enérgico e sede de ação e de mudança é aquilo que o tema nos exige. Assim sendo, encaremos a situação e façamos o ponto: a água é um recurso finito que precisa de proteção e valorização urgentes, sob pena de se esgotar e não a termos num futuro muito próximo. Da próxima vez que deixarmos uma torneira a correr, só porque sim, lembremo-nos disto.

* Relatório da Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos (ERSAR) (Março 2024)


A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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