E não é que aqui chegámos, Aristóteles!

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A odisseia do cérebro dura há mais de dois milénios, entre incríveis descobertas que alteraram para sempre a nossa conceção tanto da pessoa humana como da nossa anatomia e fisiologia. Na semana internacional do cérebro, que em Portugal se comemora de 8 a 15 de março, fazemos uma viagem pelo caminho percorrido, mas também por aquele que ainda falta percorrer.

Para Aristóteles o cérebro tinha o propósito único de impedir que o coração sobreaquecesse. Galeno de Pérgamo sugeriu que os controlos motor e executivo se concentravam nos quatro ventrículos do cérebro, sendo esta ligação mais tarde refutada. Vesalius criou o primeiro mapa do sistema nervoso. Dois séculos mais tarde o italiano Galvani descobriu o papel dos impulsos elétricos no sistema nervoso.

No século XIX, um operário das linhas férreas, Phineas Gage teve um acidente que destruiu o seu lóbulo frontal, mas manteve a sua memória e capacidade motora intactas, embora a sua personalidade tenha mudado. O acidente de Gage inspirou os estudos de Broca e Wernicke que demonstraram que o cérebro tem várias regiões com funções diferentes.

No século XX, Ramón y Cajal e Golgi descobriam que os neurónios são a base para todo o cérebro. Ao longo do século, Sherrington e Adrian propuseram o conceito de sinapses, as junções dos neurónios, que Eccles, Hodgkin e Huxley acabaram por provar, com a sua descoberta de que os neurónios comunicam por via elétrica e química.

Estamos já muito distantes dos tempos de Vesalius onde o estudo do cérebro estava limitado à sua exploração pós-morte sobre uma mesa de um especialista em anatomia com um bisturi na mão. Somos, agora, capazes de observar como o cérebro funciona de forma não invasiva e com o mínimo de incómodo aos nossos sujeitos.

No fim do século XX, Wolpaw já utilizava o eletroencefalograma para permitir que fosse possível controlar um cursor de rato modulando a atividade dos seus cérebros. Agora estas tecnologias permitem que pacientes com membros amputados usem e controlem próteses cada vez mais sofisticadas e mais próximas de substituir os membros originais.

Hoje, os mais de 38 mil neurocientistas em todo o mundo (segundo a Sociedade de Neurociências, uma organização internacional de cientistas que estudam o sistema nervoso) já não se focam apenas na descoberta do cérebro e do sistema nervoso, procuram também aplicar o seu conhecimento aos problemas reais da sociedade. As neurociências das relações interpessoais e o estudo do comportamento do consumidor são apenas dois exemplos que os neurocientistas trabalham, sendo um dos exemplos nacionais o Human Neurobehavioral Laboratory (HNL) na Universidade Católica no Porto.

Os especialistas preveem que a forma como observamos o comportamento humano como neurocientistas mudará completamente. A tecnologia irá evoluir para lá dos limites atuais e trará mais automatismo e objetividade. Funcionalidades como a portabilidade facilitarão a aplicação das neurociências aos vários setores da sociedade. Por outro lado, e em linha, com o tema da semana internacional do cérebro, hoje fala-se em neurodiversidade, ou seja, num conceito que se baseia na grande variedade de composições neurológicas do ser humano, o qual defende que não há mentes iguais.

As neurociências alteraram a face do mundo. Imaginamos que seria, no mínimo, rebuscado sugerir a Aristóteles que chegaríamos aqui, por isso escapa à nossa imaginação, também, onde estaremos daqui a mais dois mil anos. Mesmo que Artistóteles não pudesse prever a magnitude do nosso conhecimento atual, estamos certos de que a curiosidade que o impulsionou continua a viver em nós. E é por isso que continuamos a sonhar com o cérebro de amanhã e convidamos o leitor a fazer o mesmo.


Os autores escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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