Banco do Japão põe fim a oito anos de taxas de juro negativas

A inflação acima de 2% há mais de dois anos, a perspectiva de aumentos salariais mais generosos e a queda do iene deram confiança ao banco central para começar a abandonar a luta contra a deflação.

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Kazuo Ueda, governador do Banco do Japão EPA/FRANCK ROBICHON
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Ainda com o fantasma da deflação a ensombrar as suas decisões, o Banco do Japão era o único entre os principais bancos centrais mundiais ainda a resistir à necessidade de endurecer a sua política monetária para responder à subida da inflação, mas a partir desta terça-feira acabou por se juntar a todos os outros que já subiram as taxas de juro.

A autoridade monetária nipónica, que ao longo das últimas décadas tem recorrido a medidas de carácter extraordinário para tentar evitar que o país caia na armadilha da deflação, decidiu agora, ao fim de mais de um ano em que a inflação se situou acima da meta de 2% definida pela instituição, dar o primeiro passo para abandonar a política ultra-expansionista que tinha em vigor.

Além de passar a adoptar uma política de definição das taxas de juro de curto prazo semelhante à dos outros bancos centrais, subiu pela pela primeira vez em 17 anos as taxas de juro, retirando-as do nível negativo em que se encontravam já desde 2016.

A nova taxa de juro de referência no Japão passa assim a estar situada no intervalo entre 0% e 0,1%, com os bancos comerciais a poderem retirar algum rendimento dos depósitos que deixam no banco central, em vez da penalização a que antes eram sujeitos como estímulo para concederem crédito às empresas e aos particulares.

O Japão demorou muito mais a começar a retirar a sua política monetária expansionista do que os outros países (que até já deram por concluída a sequência de subidas de taxas de juro) porque a subida da taxa de inflação foi muito mais moderada no país e porque, ao longo das últimas décadas, o grande problema da economia nipónica tem sido não uma inflação alta, mas sim a dificuldade revelada em sair de forma consistente de um cenário de inflação muito baixa ou mesmo negativa, algo que prejudica igualmente o ritmo de crescimento.

No entanto, ao longo do último ano, os sinais de que o perigo de deflação pode estar afastado reforçaram-se: a taxa de inflação situou-se de forma consistente acima dos 2% e as negociações entre as principais empresas e os sindicatos apontam agora para os maiores aumentos dos últimos 33 anos.

Além disso, o iene tem vindo, por causa da diferença de rumo da política monetária do Japão face aos outros países, a desvalorizar-se de forma significativa, algo que, além de poder ter efeitos negativos na economia, contribui também para uma maior pressão inflacionista por via da subida dos preços das importações.

Perante este cenário, o governador do Banco do Japão, Kazuo Ueda, que está no cargo desde Abril do ano passado, sentiu-se suficientemente confortável para que a instituição assumisse que o seu objectivo deixa de estar centrado no combate à deflação. É uma tentativa de normalização da política monetária que, a concretizar-se, significa o fim de uma era na economia do Japão.

Sobre a perspectiva de que o Banco do Japão possa ir mais longe nos próximos meses, Kazuo Ueda afirmou mesmo, na conferência de imprensa em que anunciou a decisão, que, “se a inflação tendencial subir um pouco mais, isso pode conduzir a uma subida nas taxas de juro de curto prazo”.

Ainda assim, não será de esperar que no Japão se venha a assistir a uma sequência rápida e acentuada de subidas de taxas de juro como a seguida pelo Banco Central Europeu e a Reserva Federal durante os últimos dois anos. A inflação no Japão não ultrapassa ainda a barreira dos 3%, e o trauma da inflação negativa vivido pelos bancos, empresas e famílias desde a crise dos anos 1990 está certamente na cabeça dos responsáveis do banco central, que irão ser muito prudentes na forma como retiram a sua política expansionista, para não correrem o risco de um regresso da deflação, algo que aconteceu em episódios passados semelhantes.

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