Decidir indemnizações no caso BES implicava traduzir 1322 acções, diz juíza

Presidente do colectivo que vai julgar caso BES rejeita argumentos contra separação das indemnizações do processo-crime. Lesados terão de interpor novos processos cíveis para serem ressarcidos

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Uma caixa com algumas das centenas de apensos do processo BES que soma 207 volumes principais José Fernandes (arquivo)
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Decidir no processo-crime do BES os 1322 pedidos de indemnização que lhes estão associados implicava antes de tudo a tradução para francês de mais de mil acções cíveis, algumas das quais com mais de 500 artigos, já que dois dos 19 arguidos do caso são suíços que têm o francês como língua materna. É neste caso, o principal, que o antigo banqueiro, Ricardo Salgado, responde por 65 crimes, incluindo associação criminosa.

Além da tradução, era preciso introduzir as 1322 acções cíveis no sistema informático dos tribunais, o Citius, tarefa que, neste momento, ainda não está concluída. E dar um prazo dilatado para que todas as partes se pronunciassem. Isso já sem falar das 2278 testemunhas que seria necessário ouvir.

Quem o diz é a presidente do colectivo que vai julgar o caso, a juíza Helena Susano, que insiste que o tempo para inserir os pedidos no Citius, a realização das traduções e o tempo necessário para o contraditório “imporiam um tempo extraordinário e intoleravelmente longo” do processo-crime. Num despacho com data de 1 de Março, a magistrada rejeita um por um os vários argumentos apresentados por arguidos e lesados em dezenas de requerimentos, onde invocam irregularidades, nulidades e inconstitucionalidades na decisão de separar o processo-crime dos pedidos de indemnização. E conclui: “E cremos poder dizer com correcção que os enxertos civis, pelo menos, exponenciam de forma intensa a dimensão processual penal já por si absolutamente singular.”

No documento, Helena Susano volta a insistir que o BES "será provavelmente o maior processo judicial que ocupou a justiça portuguesa", lembrando que, neste momento, possui 207 volumes principais, 384 apensos bancários, 114 apensos de buscas, 118 apensos de arrestos e só a acusação contém “3552 folhas com 11.155 factos”. Ao falar dos 1322 pedidos de indemnização — uma actualização face aos 1306 antes referidos —, a juíza diz ser “esmagadora e colossal” a dimensão do processo cível e que, tendo decorrido quase dez anos entre o início do processo-crime e o arranque do julgamento, “o risco de prescrição de alguns crimes” ganha uma centralidade que não se verifica na parte cível.

Dezenas de milhares de euros em taxas

Respondendo a vários fundos lesados pelo colapso do universo Espírito Santo que invocaram a inconstitucionalidade da norma do Código Processo Penal que permite aos juízes criminais, por iniciativa própria, remeterem os pedidos de indemnização associados àqueles casos para os tribunais civis sem antes dar oportunidade às partes para se pronunciarem, Helena Susano defende: “É consensual que a justiça penal preenche outras finalidades constitucionalmente valiosas de salvaguarda dos direitos dos cidadãos, de garantia da paz social e de legitimação do Estado de direito democrático, que sairiam prejudicadas com o retardamento intolerável do processo. Ora, uma tal afectação da celeridade processual é, a nosso ver, bastante para afastar a censura constitucional.”

Sobre o argumento de muitos arguidos de que será muito difícil defenderem-se de mais de um milhar de pedidos de indemnização que custarão “dezenas de milhares de euros em taxas de justiça”, (um valor que não contabiliza os custos com advogados), a juíza diz ser uma “evidência factual devidamente ponderada pelo tribunal”, a par de outras, como as consequências para os lesados que serão forçados a interpor novos processos cíveis, para verem ressarcidas as suas perdas. A juíza lembra, no entanto, que existe uma figura jurídica — o litisconsórcio voluntário —​ que permite que vários interessados se juntem num processo único, realçando que um só advogado representa 746 lesados.

A juíza rejeita ainda analisar os pedidos de indemnização e decidir quais ficam no processo-crime e quais devem ser separados, uma solução defendida pelo Ministério Público, que sustentou que, quando os arguidos eram os únicos visados pelos pedidos cíveis, estas acções deviam continuar associadas à parte penal. “Aceitam-se pedidos com dez testemunhas comuns às da pronúncia e se forem nove comuns e uma não comum, ainda se aceitam? E se forem dois não comuns, ainda se aceitam? E aceitam-se pedidos com 50 artigos, mas já não 51?”, questiona Helena Susano. A juíza remata garantindo que o tribunal ponderou e foi sensível às consequências da posição que tomou: “A decisão foi fundada numa ponderação global das circunstâncias de facto e de direito do caso concreto.”

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