Judith Godrèche pede comissão de inquérito sobre a violência sexual no cinema

A actriz e realizadora francesa, que apresentou queixa contra os cineastas franceses Benoît Jacquot e Jacques Doillon, foi esta manhã ouvida na delegação de direitos das mulheres no Senado francês.

Foto
Judith Godrèche quando participou na mais recente cerimónia dos prémios Césares EPA/CHRISTOPHE PETIT TESSON
Ouça este artigo
00:00
03:40

Judith Godrèche, que no início do mês de Fevereiro apresentou queixa contra os cineastas franceses Benoît Jacquot e Jacques Doillon por violação e actos sexuais com menor, prestou esta quinta-feira depoimento perante uma delegação de direitos das mulheres no Senado francês, no Palácio do Luxemburgo. Foi a primeira vez que a Câmara dos Deputados ouviu um artista. "O que está em causa neste momento é uma revolução social", afirmou, segundo o jornal Liberátion, a senadora francesa e presidente da delegação dos Direitos das Mulheres Dominique Vérien na abertura da audição, apelando depois “a um despertar e a uma tomada de consciência colectiva".

Na sua intervenção, conta o Libération, a actriz e realizadora francesa pediu que fosse criada uma comissão de inquérito sobre a violência sexual e sexista na indústria cinematográfica e exigiu a demissão do presidente do Centre National du Cinéma et de l'Image Animée (CNC, na sigla em francês), Dominique Boutonnat, acusado de em 2020, durante umas férias na Grécia, alegadamente ter abusado sexualmente do afilhado, que actualmente tem 24 anos. O caso ainda não foi julgado e Dominique Boutonnat contesta essa acusação.

Como lembra o diário francês, em 2021 as organizações representativas da indústria cinematográfica francesa escreveram ao Presidente da República para exigir a demissão de Boutonnat, mas esse pedido não teve consequências e ele foi reconduzido no cargo. “Esta família incestuosa do cinema não é mais do que um reflexo da nossa sociedade”, afirmou a actriz perante a delegação de Direitos das Mulheres no Senado, dias depois de ter subido ao palco na cerimónia dos prémios Césares, onde se dirigiu aos membros da Academia Francesa de Cinema e perguntou: “Há algum tempo que falo, mas não vos oiço. Onde estão? O que dizem?”​.

Desde que tornou pública esta sua luta e abriu um endereço de correio electrónico para receber testemunhos de outras vítimas, a actriz já recebeu mais de 4500 testemunhos, revela o jornal Le Monde.

Outro dos seus alertas, durante a audição que demorou hora e meia: que as crianças não sejam deixadas sozinhas nas rodagens – o que lhe aconteceu a ela, que era filha de pais separados e nunca foi acompanhada, quando iniciou a sua carreira cinematográfica nos filmes de Benoît Jacquot. “Todos, no meio cinematográfico, sabiam que um abusador disfarçado de realizador faz sofrer as meninas para as fazer chorar", disse, referindo-se à “invisibilidade do sofrimento das crianças” na indústria cinematográfica. Apelou também à criação de um sistema de controlo mais eficaz, nomeadamente pela DDASS (Direction Départementale des Affaires Sanitaires et Sociales), e à presença de mediadores neutros ou de "coordenadores de intimidade" nas filmagens que envolvam crianças.

Pediu também ao Senado a reabilitação do juiz Édouard Durand, que foi afastado e não reconduzido na Comissão Independente sobre o Incesto e Violências Sexuais contra Crianças (Ciivise) e apelou à protecção das crianças vítimas de violência sexual, segundo o Le Monde. A actriz homenageou o trabalho deste juiz e referiu o caso da actriz Adèle Haenel, que abandonou a cerimónia dos Césares em 2020, depois da vitória do filme O Oficial e o Espião, de Roman Polanski.

Contou ainda que num só dia recebeu 200 testemunhos de profissionais habitualmente presentes no plateau, que trabalhavam em diferentes rodagens, e todas tinham recebido uma selfie do sexo de um realizador francês. E que um grupo destas pofissionais fez queixa a um produtor, por causa de um realizador que alegadamente lhes terá perguntado se não queriam fazer-lhe sexo oral (não por estas palavras). A resposta do produtor terá sido no sentido de não fazerem uma história daquilo. O medo de não conseguirem voltar a ser contratadas pelas produtoras leva a que muitas das mulheres com diferentes profissões técnicas na indústria cinematográfica não façam queixa.

A actriz anunciou que pondera fazer um apelo ao Presidente da República francesa para que seja discutida a violência sexista e sexual no cinema.

Sugerir correcção
Comentar