Climáximo, critérios mínimos

O movimento climático não é isto. Não confunde aliados com adversários e não se revê na lógica demagógica que pretende falar pelas “pessoas” e contra os “políticos”.

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Nos dias 19 e 20 de fevereiro, o coletivo Climáximo decidiu vandalizar outdoors dos partidos políticos, colando mensagens que os responsabilizam pelo “colapso climático”.

Estas ações nada têm que ver com justiça climática e merecem o nosso repúdio.

O movimento climático não é isto. É um movimento política e socialmente diverso. É um movimento que valoriza as liberdades democráticas. É um movimento que procura construir alianças alargadas. Embora não caiba – e bem – na esfera de influência de nenhum partido político, não confunde aliados com adversários e não se revê na lógica demagógica que pretende falar pelas “pessoas” e contra os “políticos”.

Convém assinalar que a ação em questão equipara esquerda e direita, reproduzindo uma narrativa perversa que afirma que os partidos são “todos iguais”. Além disso, esta ação ocorre num contexto de escalada de forças negacionistas de extrema-direita, alimentadas pelo capitalismo fóssil, que ameaçam os direitos e as liberdades democráticas, o que torna ainda mais perigosas as falsas equivalências e a desvalorização do processo eleitoral.

Ora, as propostas dos partidos de esquerda, ainda que sempre passíveis de melhorias e aprofundamentos, são parte da luta por uma transição energética justa. Verifica-se um consenso alargado no seio do movimento climático acerca da necessidade de investimento público em larga escala para a adaptação e mitigação, nomeadamente, em transportes públicos, na instalação de energias renováveis, numa política industrial vocacionada para a transição energética, na eficiência energética ou ainda na criação de empregos socialmente úteis e com direitos, tendo como horizonte a justiça social.

Caso não cumpra estas condições, o corte de emissões de gases com efeito de estufa seguirá uma lógica socialmente regressiva, de austeridade verde. Se assim for, as classes populares não se mobilizarão para a transição, retirando-lhe qualquer respaldo democrático e possibilidade de vencer. As ações que aqui criticamos e os argumentos adotados para as justificar ignoram que, em diferentes graus – e, naturalmente, sujeitos à crítica inerente ao escrutínio democrático –, são os programas dos partidos à esquerda que convergem com esta visão de justiça social e climática.

Precisamos de um movimento climático forte e independente, mas não apolítico, nem antipartidário. Esse movimento existe, ainda que deva crescer e muito. Existe e não se revê nestas ações.

Nota final: as linhas acima foram escritas na sequência das ações que visaram outdoors de partidos. Posteriormente, novas ações tiveram lugar: no debate televisivo entre os partidos com assento parlamentar e na campanha da Aliança Democrática, quando ativistas da Greve Climática Estudantil atiraram tinta a Luís Montenegro. Eventualmente, até à publicação deste texto, ações semelhantes acontecerão – aliás, a promessa dos ativistas é atingir todos os partidos.

Esta ausência de critérios políticos, o pendor abstencionista que desvaloriza o processo democrático e a vertigem antipolítica surtem efeitos. Não obstante, esses efeitos não se traduzem num aprofundamento do debate sobre a crise climática na campanha. Pelo contrário, passam precisamente pela desvalorização desse debate. Além disso, no terreno político, a equivalência absoluta entre partidos não os atinge por igual. A direita ganha um pretexto para se vitimizar; a esquerda, tipicamente associada à causa climática, é desacreditada ou até acusada de orquestrar as ações.

É imperativo salientar que a ação sobre Luís Montenegro foi usada como desculpa para evitar responder à polémica sobre a interrupção voluntária da gravidez, que estava a prejudicar a AD, após um dos seus candidatos ter defendido a reversão da lei do aborto. Torna-se evidente quem beneficia com estas ações. No fim, as ações do Climáximo e da Greve Climática são um pouco como a ida dos candidatos a programas da manhã: um ritual esvaziado para marcar agenda, despolitizado, a que nenhum partido escapa, mas que acaba por ser mais favorável à direita.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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