Curto-circuito pode ter sido origem, mas fachada é a chave para entender o incêndio de Valência

Grupo de sobreviventes do incêndio na torre Grenfell, em Londres, foi a Valência pedir uma norma europeia que aperte a vigilância sobre os materiais inflamáveis nas fachadas.

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Os 138 apartamentos do edifício ficaram inabitáveis EPA/Biel Aliño
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Identificadas formalmente todas as vítimas mortais, a Justiça espanhola começou esta quarta-feira a notificar as famílias para que recolham os corpos das dez pessoas que morreram no grande incêndio de um edifício em Valência, em Espanha, na quinta-feira passada. Quatro dos mortos pertenciam ao mesmo agregado: pai, mãe e dois filhos, um com três anos e outro com poucos dias.

O mesmo juiz que ordenou a libertação dos corpos está a coordenar a investigação ao incêndio, cujas causas continuam a ser averiguadas pela polícia. Apesar de o inquérito estar em segredo de Justiça, fontes policiais adiantaram a vários meios de comunicação espanhóis que a hipótese mais forte é a de que o fogo tenha começado devido a curto-circuito num toldo ou num aquecedor.

Para lá da origem do incêndio, a investigação vai também tentar esclarecer como é que as chamas se propagaram aos dois blocos do edifício, de 14 e 10 pisos, em menos de meia hora. Seguindo o protocolo habitual, os bombeiros instruíram os moradores dos andares superiores para que se mantivessem em casa e pusessem toalhas molhadas junto às portas. Mas isso revelou-se uma armadilha para as dez vítimas mortais, que ficaram encurraladas no oitavo e no nono pisos devido à velocidade com que as chamas consumiram a fachada do imóvel.

É na fachada que os especialistas acreditam que está a chave para deslindar o mistério. A análise a imagens e a documentação técnica do edifício à época da sua construção (2006-2008) permitem deduzir que foi utilizado um material altamente inflamável, provavelmente poliuretano ou polietileno.

“Não sei como é que se construiu a fachada, eu apenas comprei o terreno”, defendeu-se ao jornal catalão La Vanguardia o antigo proprietário da imobiliária que impulsionou a construção. Segundo Juan Henares Parada, o projecto “já estava finalizado” quando adquiriu o terreno e lançou as obras. O edifício do bairro Campanar viria a ser vendido a mais de 3000 euros por metro quadrado.

Mesmo sem certezas quanto ao revestimento da fachada e se foi isso que levou à rápida propagação do fogo, os moradores de diferentes cidades espanholas começaram a pedir peritagens e reforço das medidas de segurança contra incêndios. Em Barcelona, por exemplo, os habitantes de um prédio construído pela mesma promotora imobiliária, e com semelhanças com o edifício de Valência, decidiram contratar um arquitecto para analisar o nível de risco do imóvel.

Marina Sender, presidente do Colégio de Arquitectos da Comunidade Valenciana, defendeu ao canal regional À Punt que todos os edifícios com revestimentos de fachada iguais ou parecidos sejam analisados no seu estado actual. “Deve perceber-se em que ano cada edifício foi construído, que materiais foram realmente usados e as respectivas condições técnicas”, disse.

Para já, o Governo espanhol não tomou qualquer decisão sobre o revestimento de fachadas e as autoridades insistem que é preciso esperar pelo fim das investigações. Em 2018, o Governo britânico proibiu a utilização de um material inflamável nas construções novas, na sequência do incêndio que devastou a torre Grenfell, em Londres, e matou mais de 70 pessoas.

Uma pequena delegação de sobreviventes desse fogo e de um outro em Milão, em 2021, esteve na terça-feira em Valência para demonstrar solidariedade com as vítimas e pressionar para que seja criada uma norma europeia que aumente a regulação das construções. É preciso “começar a vigiar este material e a eliminá-lo de todos os sítios. Não podemos transferir o problema de uma cidade para outra”, disse ao El País um dos integrantes do grupo, Stefano Plebani.

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