Ajuda à Ucrânia passa no Senado dos EUA mas deve morrer na Câmara dos Representantes

Reféns da estratégia eleitoral de Donald Trump, congressistas republicanos preparam-se para bloquear projecto de lei. Biden diz que as declarações de Trump sobre a NATO são “estúpidas e vergonhosas”.

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Chuck Schumer celebrou a passagem de um pacote de ajuda que enfrenta agora grandes obstáculos na Câmara dos Representantes EPA/JIM LO SCALZO
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O Senado dos Estados Unidos aprovou esta terça-feira um pacote de ajuda de 95,34 mil milhões de dólares (88,43 mil milhões de euros) para a Ucrânia, Israel e Taiwan, um projecto de lei que vai, agora, enfrentar um caminho incerto na Câmara dos Representantes, controlada pelo Partido Republicano e submetida à estratégia eleitoral de Donald Trump na sua corrida às eleições presidenciais de Novembro.

A câmara alta do Congresso norte-americano aprovou o pacote com uma votação de 70-29, superior ao limite de 60 votos necessários. Vinte e dois senadores republicanos juntaram-se à maioria do Partido Democrata para apoiar o projecto de lei, enquanto o independente Bernie Sanders e dois senadores da ala progressista dos democratas votaram contra, expressando as suas preocupações com as acções de Israel em Gaza.

“Há anos, talvez décadas, que o Senado não aprovava um projecto de lei com um impacto tão grande, não só para a nossa segurança nacional, não só para a segurança dos nossos aliados, mas também para a segurança da democracia ocidental”, afirmou o líder da maioria democrata no Senado, Chuck Schumer.

Schumer disse depois, numa conferência de imprensa, que estava confiante de que o projecto de lei seria aprovado na Câmara dos Representantes com o apoio de ambos os partidos, numa altura em que não é certo que o líder republicano da câmara, Mike Johnson, autorize sequer a votação.

“Apelo ao speaker Mike Johnson para que esteja à altura da ocasião, para que faça o que está correcto: apresente rapidamente este projecto de lei”, pediu Schumer.

Mais tarde, foi a vez do Presidente dos EUA pedir ao líder republicano da Câmara dos Representantes para deixar o projecto ir a votação. “Apelo ao speaker para que deixe toda a Câmara dizer o que pensa e não permita que uma minoria de vozes extremistas bloqueie a votação deste projecto de lei”.

Os apelos dos líderes democratas deverão, no entanto, esbarrar em Johnson. Antes da votação desta terça-feira, o presidente da Câmara dos Representantes emitiu uma declaração a acusar a proposta de não incluir disposições para travar o fluxo de migrantes através da fronteira dos EUA com o México.

“A América merece mais do que o statu quo do Senado”, afirmou Johnson, deixando antever que o projecto de lei será morto à chegada.

Os líderes republicanos na Câmara dos Representantes dos EUA exigiram que o Presidente Joe Biden tomasse medidas para reduzir a migração indocumentada para os Estados Unidos antes de poder ser aprovada qualquer ajuda à Ucrânia. No entanto, um acordo cuidadosamente negociado sobre o controlo das fronteiras acabou por ser retirado do pacote de assistência, na sequência da oposição de Donald Trump, para quem o compromisso não seria mais do que uma “prenda” para os democratas.

As barreiras à aprovação do pacote de ajuda à Ucrânia remetem directamente para o mais que provável candidato do Partido Republicano às eleições presidenciais marcadas para Novembro deste ano. Trump quer fazer da questão da fronteira e do medo dos imigrantes, que diz estarem a “envenenar o sangue do nosso país”, o tema principal da campanha, ao mesmo tempo que acusa a administração Biden de ser “frouxa” na defesa da fronteira Sul dos EUA. Se regressar à Casa Branca, Trump já prometeu deportar milhares de imigrantes indocumentados.

O apoio incondicional à Ucrânia também tem sido criticado pelo ex-Presidente, para quem qualquer ajuda a Kiev deveria assumir antes a forma de empréstimo. Para deitar mais achas para a fogueira, Trump sugeriu no fim-de-semana que poderia encorajar a agressão da Rússia contra os membros da NATO que não contribuam o suficiente para o orçamento da Aliança Atlântica. As declarações, proferidas durante um comício na Carolina do Sul, foram muito criticadas pelos aliados dos EUA e pela Casa Branca, mas mereceram o apoio, ainda que tímido, de vários republicanos nas duas casas do Congresso norte-americano.

Esta terça-feira, Joe Biden lançou duras críticas ao seu antecessor e provável adversário na corrida à Casa Branca.

“Conseguem imaginar um antigo Presidente dos Estados Unidos a dizer isto? O mundo inteiro ouviu-o”, disse Biden, acrescentando: “O pior é que ele está a falar a sério. Nenhum outro Presidente na nossa história alguma vez se curvou perante um ditador russo. Deixem-me dizer isto da forma mais clara possível: eu nunca o farei”.

“Por amor de Deus, é estúpido, é vergonhoso, é perigoso. É anti-americano. Quando a América dá a sua palavra, isso significa algo, quando assumimos um compromisso, mantemo-lo. E a NATO é um compromisso sagrado”, afirmou Biden.

Mesmo perante a incerteza que o pacote de ajuda enfrenta, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, saudou a aprovação no Senado do projecto de lei. “A assistência americana torna mais próxima a paz justa na Ucrânia e restaura a estabilidade global, resultando em maior segurança e prosperidade para todos os americanos e para todo o mundo livre”, disse Zelensky na rede social X.

Para Kiev, o financiamento dos EUA, no valor de 61 mil milhões de dólares (56 mil milhões de euros), é crucial numa altura em que as suas Forças Armadas se debatem com a escassez de armamento para combater a Rússia, que tem aumentado os seus ataques aéreos em território ucraniano, mesmo que a linha da frente se mantenha há vários meses praticamente inamovível.

A votação desta terça-feira no Senado decorreu antes do nascer do Sol, depois de oito opositores republicanos de linha dura à ajuda à Ucrânia terem realizado uma maratona nocturna de discursos que ocuparam o plenário durante mais de seis horas.

O pacote agora aprovado inclui também fundos para Israel, ajuda humanitária aos palestinianos em Gaza e para a defesa de Taiwan. Ambas as câmaras do Congresso têm de aprovar a legislação antes de Biden a poder assinar como lei.

Actualizado às 20h com as declarações de Joe Biden

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