Cientista climático famoso ganha um milhão de dólares numa acção contra bloggers de direita

Após mais de uma década, a vitória de Michael Mann surge num contexto de ataques exacerbados a cientistas que trabalham não só com as alterações climáticas, mas também com vacinas e outras questões.

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Michael Mann à porta do Tribunal H. Carl Moultrie, em Washington, na segunda-feira Pete Kiehart/The Washington Post
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Michael Mann, um proeminente cientista climático, ganhou a sua longa batalha legal contra dois bloggers de direita que alegaram que ele manipulou dados na sua investigação e o compararam a Jerry Sandusky, um homem condenado por abuso de menores, uma grande vitória para o investigador.

Um júri num julgamento civil em Washington, na quinta-feira, considerou que os dois escritores, Rand Simberg e Mark Steyn, difamaram e prejudicaram o investigador em dois blogues publicados em 2012, e atribuiu-lhe mais de 1 milhão de dólares.

"Espero que este veredicto envie uma mensagem de que atacar falsamente os cientistas do clima não é um discurso protegido", afirmou Mann num comunicado.

A vitória de Michael Mann surge num contexto de ataques exacerbados a cientistas que trabalham não só com as alterações climáticas, mas também com vacinas e outras questões. No entanto, alguns críticos receiam que este caso possa ter um efeito asfixiante na liberdade de expressão e no debate aberto no domínio da ciência.

"Inflamatório não é igual a difamatório", disse várias vezes Victoria Weatherford, advogada de Simberg, ao júri durante o julgamento.

O veredicto é um processo de 12 anos para o climatologista, que durante décadas foi alvo de críticas da direita por causa do seu famoso gráfico "stick de hóquei".

"Normalmente, deixamos que os cientistas discutam entre si para descobrir qual é a verdade", disse Lyrissa Lidsky, especialista em difamação da Universidade da Florida. "Nestes casos científicos, há uma grande margem de manobra para a opinião. Isso não significa que haja carta-branca para mentir sobre outro cientista."

No início da sua carreira, Mann utilizou dados de anéis de árvores, núcleos de gelo e recifes de coral para mostrar que as temperaturas globais eram relativamente estáveis até à Revolução Industrial. Mas depois de os seres humanos começarem a queimar combustíveis fósseis em grandes quantidades, as temperaturas no século passado aumentaram, descobriram Mann e seus colegas.

Um dólar de indemnização

Actualmente, Mann é um dos cientistas climáticos mais famosos do país, tendo escrito meia dúzia de livros, aparecido em inúmeros programas de televisão e acumulado mais de 200.000 seguidores no X (anteriormente conhecido como Twitter). Como figura pública, enfrentou uma grande dificuldade durante o julgamento de quase um mês para provar a sua alegação de difamação.

Numa coluna de 2012 intitulada "O outro escândalo em Unhappy Valley", publicada num sítio Web do Competitive Enterprise Institute, Simberg escreveu que Mann tinha "abusado e torturado dados" sobre o aquecimento global e comparou Mann a Sandusky, um treinador de futebol americano da Universidade do Estado da Pensilvânia que tinha sido preso por abuso de jovens rapazes. Na altura, Mann era professor na Penn State.

Na National Review, Steyn citou o artigo e acrescentou: "Não sei se teria estendido essa metáfora até aos balneários com o mesmo zelo com que o Sr. Simberg o faz, mas ele tem razão."

"Chamar fraudulento ao trabalho de Michael Mann é manifestamente falso", disse Lauren Kurtz, directora executiva do Climate Science Legal Defense Fund, um grupo que ajudou a defender cientistas que enfrentavam ataques legais em 34 casos no ano passado. Mann, acrescentou, foi "ilibado" de irregularidades por várias investigações sobre o seu trabalho.

"Os cientistas do clima continuam a ser regularmente visados pelos negacionistas do clima, apesar de a ciência ser bastante clara nesta altura", acrescentou.

O júri atribuiu a Mann mil dólares de Simberg e um milhão de dólares de Steyn a título de indemnização punitiva, destinada a punir as infracções. E concedeu a Mann um dólar de indemnização compensatória de cada escritor pelas perdas reais de Mann.

Simberg foi considerado responsável por declarações que comparavam Mann a Sandusky, mas foi ilibado de outras declarações que criticavam o trabalho científico de Mann.

"Estou satisfeito por o júri ter decidido a meu favor em metade das declarações em causa neste processo, incluindo a conclusão de que a minha declaração de que o Dr. Mann estava envolvido na manipulação de dados não era difamação", afirmou Simberg num comunicado. "Em mais de uma década de litígio, as sanções impostas ao Dr. Mann são muito inferiores à sentença contra mim."

Durante as alegações finais, Steyn, uma personalidade da rádio e da televisão que falou durante grande parte do julgamento, disse que ainda "se mantém fiel à verdade de cada palavra" que escreveu sobre "Michael Mann, o seu "stick de hóquei" fraudulento e o processo de investigação corrupto na Penn State".

Numa declaração após o veredicto, a empresária de Steyn, Melissa Howes, admitiu que poderá recorrer da decisão do pagamento de um milhão de dólares em indemnizações punitivas.

"Sempre dissemos que Mann nunca sofreu qualquer prejuízo real com a declaração em causa. E hoje, após 12 anos, o júri atribuiu-lhe um dólar de indemnização", afirmou Howes num comunicado. "A indemnização punitiva de um milhão de dólares terá de ser submetida ao escrutínio do devido processo legal, de acordo com os precedentes do Supremo Tribunal dos EUA."

Para muitos, o julgamento foi mais do que apenas as questões à volta de Michael Mann, que disse ter passado por sofrimento emocional e perdido oportunidades de financiamento e participação em estudos.

As duas partes passaram dias a discutir não só os posts do blogue, mas também a veracidade do "stick de hóquei" de Mann e o próprio campo da ciência climática, bem como até que ponto a Primeira Emenda estende a protecção aos críticos.

"Há um pouco mais de margem de manobra da Primeira Emenda para declarações hiperbólicas", disse Kurtz. Mas acrescentou que comparar Mann a um pedófilo é "falso" e "grotesco".

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