Trata-se de um grupo muito heterogéneo de cavalheiros, no início do século XX, de várias nacionalidades e idades, mas que têm em comum as doenças respiratórias, a principal, a tuberculose. Enquanto fazem os seus tratamentos nas termas de Görbersdorf, vão discutindo diversos temas, da beleza da paisagem à filosofia e à política, mas invariavelmente, quase sempre, o tema vai dar às mulheres. Ao papel das mulheres. Chama-se Empúsio e foi escrito pela Nobel polaca Olga Tokarczuk — aliás, o primeiro romance depois do prémio da academia sueca.

A história é muito mais do que isto e eu ainda vou a meio do livro, mas acho sempre curiosas as conversas destes cavalheiros, todos letrados, que têm certezas absolutas sobre a inferioridade das mulheres. Há um que desenvolve uma teoria sobre se a mulher é sujeito ou objecto, que talvez devesse ser objecto, uma vez que procria. "Ela própria pertence a todos, pois é o receptáculo de onde vêm os seres humanos; logo, o corpo da mulher, o seu ventre e o seu útero pertencem à humanidade", diz, deixando os outros irritados. "Isso faz-me lembrar os socialistas que falam da 'propriedade do Estado'. Do Estado, ou seja, de quem? Dos funcionários?", pergunta um professor de liceu. E responde o defensor da teoria, um socialista e especialista em Filologia Clássica: "A mulher deve ter os seus direitos, é claro, mas nunca deve esquecer que pertence a uma sociedade que funda instituições estatais com a finalidade de zelar pelos seus interesses e, portanto, do ponto de vista lógico, o Estado pode, hum, hum, pôr e dispor da mulher. É verdade. O Estado poderia atribuir-lhe papéis sociais, tarefas, mas também, e talvez até principalmente, resguardar os seus direitos como ser humano."

Este é um diálogo escrito nos nossos dias, reflectindo o que poderia ser o pensamento de 1913, no centro da Europa, antes de eclodir a Primeira Guerra. Então, as mulheres ainda não tinham direito ao voto, mas até que ponto — embora seja ficção, eu sei —, não reflecte o que pensam, hoje, países que condicionam os direitos das mulheres, o direito ao seu corpo, em nome da religião, como na Polónia de Tokarczuk, ou nos EUA dos republicanos.

Tantos séculos passados, e os homens continuam com medo da emancipação das mulheres. Há uma semana, um estudo do Centro de Investigação Sociólogica (CIS) espanhol, dava conta que 44,1% dos homens espanhóis consideram que as políticas de igualdade foram tão longe que actualmente são eles que são discriminados — salvaguarda-se que este facto não impede que 96% concordem que "a igualdade entre homens e mulheres contribui para tornar a sociedade mais justa". Portanto, estes dados, mostram a diferença entre a assunção de um discurso teórico e as consequências reais desse discurso, nota o El País no seu editorial de dia 20

A meu ver, o mais preocupante é que mais de metade (51,8%) dos jovens entre os 16 e os 24 anos está entre os que acreditam que fazem parte dos discriminados. Como as famílias e as escolas já baixaram os braços e se demitem da educação das crianças e jovens, a culpa, já se sabe, é das redes sociais. Dizem os especialistas ouvidos pelo El País que os discursos radicais são "mais populares" entre os jovens devido à sua falta de maturidade ou à sua dificuldade em detectar fake news (este último é um problema também de adultos, digo eu).

A democracia corre o risco de morrer por culpa das fake news. Por isso, por cá, é interessante ver os movimentos de famílias que decidiram abrir guerra aos ecrãs nas escolas. Fico curiosa por saber o que fazem em casa — aqui ficam algumas dicas sobre como largarem o telemóvel, pais e filhos. Não é assim tão difícil. Mas não basta largá-lo e ficar a olhar para o telejornal ou para a novela, enquanto se janta, é preciso olhar nos olhos dos filhos e conversar, desconstruir as coisas que viram nas redes sociais e não chega dizer "isso é tudo mentira", é preciso explicar porquê.

A educação dá trabalho. E é preciso falar sobre tudo — esta semana, Isabel e Ana Stilwell escreveram sobre o consentimento, como ajudar os filhos a perceber quando o toque é saudável ou é um abuso; e também sobre os filhos favoritos que, como pais, vamos sempre jurar que não temos (para bem da auto-estima dos nossos filhos!). Por falar em auto-estima, Madalena Sá Fernandes escreve sobre as pessoas cool, como nunca sentimos fazer parte desse Olimpo... E a jornalista Ana Margarida Alves abre-nos as portas ao ioga facial e como este pode ajudar a retardar os sinais de envelhecimento

Voltando à ameaça que os homens sentem em relação às mulheres, não posso deixar de mencionar a ausência de Margot Robbie (actriz principal e produtora do filme) e Greta Gerwig (realizadora e argumentista) das nomeações para os Óscares para melhor actriz e realizadora, respectivamente. Barbie foi o filme mais visto em 2023 e isso não basta para se ser escolhido, claro. Para quem não viu, Barbie não é sobre uma boneca, é um filme que reflecte tudo o que as mulheres ocidentais sentem e vivenciam no seu dia-a-dia: do que lhes é pedido àquilo que elas acreditam que lhes é exigido. Como constata a personagem interpretada por America Ferrera: "É literalmente impossível ser uma mulher​."

Nos seus tons rosa, Barbie é um filme sério e, por isso, as mulheres que o trouxeram à tela deviam ser reconhecidas e estar na lista de nomeados (que não é o mesmo que ganhar o prémio), tal como aconteceu com America Ferrera (nomeada para melhor actriz secundária se não viu o filme, veja este monólogo) e Ryan Gosling (na lista de melhor actor secundário). Como escreveu o escritor e argumentista Brad Meltzer, reagindo às nomeações: "Nomear o Ken mas não a Barbie é literalmente o enredo do filme."

Boa semana!