As pessoas cool

Os meus amigos próximos não são cool. (Desculpem, amigos.) Não sei se não são cool e por isso é que são meus amigos, ou se, por serem meus amigos, eu sei que eles não são cool.

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Não sou cool. A primeira evidência que sustenta esta afirmação é escrever uma crónica chamada “As pessoas cool”, provavelmente o título menos cool de sempre. E eu sei que a repetição da palavra cool não está a ajudar a minha causa, mas ela está perdida já há muito. É um estatuto que sempre ambicionei alcançar, mas já fiz as pazes com a certeza de que não vou chegar lá.

Vejo-as de fora há muito tempo. O que têm elas, ao certo? Não tenho a certeza. Estilo, sem dúvida. E uma naturalidade que contrasta com o estado em que fico quando estou perto delas. Quem tenta muito ser cool já está a falhar.

Os meus amigos próximos não são cool. (Desculpem, amigos.) Não sei se não são cool e por isso é que são meus amigos, ou se, por serem meus amigos, eu sei que eles não são cool. Talvez seja a proximidade que acabe com a coolness, e o estatuto dependa, precisamente, da distância. Nesse sentido, podemos estar perante o paradoxo do cool, tema que daria um debate filosófico totalmente desinteressante.

Alguns amigos meus, no entanto, têm amigos cool, e é por isso que às vezes tenho interações mais prolongadas com esta trupe. Estive sempre a um grau de separação das pessoas cool.

Observo-os. Andam por aí a fazer esvoaçar os seus casacos compridos, tão fluidos como a sua sexualidade, em passos seguros que os levam sempre a vernissages sem vinho de artistas emergentes que não emergem; conhecem os melhores sítios para revelar as fotografias analógicas que tiram em poses inesperadas em casas de banho de palácios decadentes convertidos em bares, desdenham qualquer evento com mais de 18 pessoas, pertencem a movimentos conceptuais de inter-feminismo aquático, são íntimos dos porteiros do Lux, são politizados mas não falam muito de política, não dão, regra geral, sinais de especial inteligência, mas carregam, nas tote bags encardidas pelo fumo do tabaco de enrolar, primeiras edições de poesia concreta; publicam pouco nas redes sociais, e apenas coisas vagas cuja única obrigação é a de jamais poderem ser compreendidas.

Não são espalhafatosos, mas dão nas vistas. São blasé e usam sempre indumentárias que eu tenho a certeza de que em mim ficariam ridículas, mas que neles simplesmente funcionam.

Há um consenso silencioso acerca de quem são as pessoas cool, em cada ambiente. Mas não existe uma descrição definitiva das pessoas cool, esta vai mudando ao longo da nossa vida.

Como é que eu sei que alguém é cool? Não é por eles, é por mim. É pelo estado em que eu fico. Se fico desconfortável e se é activada a necessidade de pertencer, de ser como eles, de me aproximar, de que eles gostem de mim, então eu sei que estou perante pessoas cool. O pior é que eles também sabem que estão perante a minha pessoa, uma não cool evidente. E quanto maior esta mútua noção, maior o afastamento.

Como sabemos, há muitas definições do que é ser escritor, mas uma, bem apropriada, é: Aquele que tenta vingar-se das pessoas cool.

Então aqui estou eu, de roupão, ao computador, a tentar vingar-me. Eles, claro, como pessoas cool que são, não ligam nenhuma.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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