Dar um chá a quem ainda não o bebe

A segunda bebida mais consumida do mundo, logo a seguir à água, tem propriedades que a tornam popular entre nutricionistas.

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A palavra chá é frequentemente utilizada de uma forma demasiado anárquica Rui Soares
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Há pouco mais de um ano, Miguel Esteves Cardoso escrevia, numa das suas crónicas, que “a cerimónia do chá ainda é melhor para a saúde do que o próprio chá”. Se quanto à cerimónia não me sinto capaz de emitir uma opinião, estou convencido que o valor nutricional do chá merece grande destaque.

A palavra chá é frequentemente utilizada de uma forma demasiado anárquica. Ainda que alguns dicionários prevejam que chá possa significar, por extensão, “uma infusão das folhas ou das flores de qualquer planta”, o verdadeiro chá deriva de um arbusto (Camellia sinensis), da família das teáceas. As folhas deste arbusto, dependendo do tipo de processamento, dão origem a quatro tipos principais de chá: preto, verde, branco e, menos conhecido, oolong. Por sua vez, e porque não derivam da espécie Camellia sinensis, os “chás” de camomila, tília, limonete, rooibos ou cavalinha não são verdadeiros tipos de chá, mas sim infusões ou tisanas de outras plantas.

Foquemo-nos nos benefícios das infusões que derivam, efetivamente, da Camellia sinensis, porque são muito específicos e não extrapoláveis para outras espécies botânicas. E é importante começar por um dado de consumo: a seguir à água, a bebida mais consumida em todo o mundo é o chá, com mais de 2 mil milhões de chávenas consumidas diariamente, com o chá preto e o chá verde a ocuparem as posições cimeiras nas preferências. Tendo em conta este consumo em grande escala, quaisquer pequenos efeitos na saúde poderão ter consequências significativas na saúde pública.

Em termos de composição nutricional, é pelo seu teor de polifenóis — compostos não calóricos, com efeitos anti-inflamatórios e antioxidantes — que se destaca, sendo o grupo das catequinas o mais conhecido. E parece ser à custa dos efeitos dos polifenóis que, de uma forma global, se conclui que os efeitos benéficos do consumo do chá suplantam potenciais riscos, com os dados a mostrarem uma redução de 24% no risco de mortalidade geral e por doenças cardiovasculares, com um consumo diário de três chávenas.

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Os “chás” de camomila, tília, limonete, rooibos ou cavalinha não são verdadeiros tipos de chá, mas sim infusões ou tisanas de outras plantas Anna Costa

Para além disto, há associações importantes entre consumo de chá e redução de risco de incidência em alguns tipos de cancro, nomeadamente do estômago, boca, pulmão, tiróide, ovário, esófago, endométrio, leucemia e glioma. Ainda que muitos tenham encontrado benefício independente do tipo de chá, outros encontraram vantagens apenas com o consumo de chá verde. Esta relação poderá justificar-se por uma maior riqueza nalgumas catequinas, como a famosa epigalocatequina galato, com efeitos bem estudados na supressão da proliferação celular, indução da morte de células anómalas e inibição da invasão celular. Para além dos efeitos em fatores de risco cardiovasculares e em diferentes tipos de cancro, parece ainda apresentar proteção na diabetes mellitus tipo 2 e em patologias do foro cognitivo.

Embora o corpo de evidência, no seu global, aponte para efeitos benéficos, há dois estudos que encontraram uma relação inversa entre o consumo de chá e os cancros do esófago e estômago. No entanto, em ambos os trabalhos se verificou que esta relação pode ser explicada por um consumo de chá excessivamente quente, que a longo prazo leva a lesões térmicas nas células da parte superior do sistema digestivo. Como tal, devemos gerir bem a temperatura a que o consumimos, evitando valores demasiado elevados. É importante também lembrar que o conteúdo em cafeína que o chá apresenta não é de menosprezar. Uma chávena de chá preto pode ter quase a mesma cafeína que um café espresso, passando para cerca de metade no caso do chá verde.

Com base em toda a ciência publicada, e mesmo sabendo das limitações que apresenta na hora de estabelecer conclusões e recomendações, parece-me indubitável afirmar que o consumo de chá é não só seguro, como potencialmente benéfico a vários níveis. Assumindo que não lhe acrescentamos açúcar, evidentemente. Na verdade, os efeitos do chá são equivalentes, em muitos casos, aos do café (se tiver interesse neste assunto, não deixe de ouvir o episódio dedicado a este “ouro verde” no podcast Nutrição Retratada). Para além dos efeitos protetores em diferentes patologias, a ingestão de chá pode ser uma excelente ajuda na manutenção de um bom estado de hidratação, especialmente nos dias mais frios, em que a ingestão de água não nos convence tanto. Já para não falar de todo o conforto e prazer que uma boa chávena de chá pode dar.

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