Dougie Knight celebra o krump português no Teatro do Bairro Alto

De regresso à sala lisboeta, o krumper retoma a inscrição nos palcos desta dança de rua. Krump Session homenageia as figuras desta história que também se escreve em português.

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O ADN comunitário do krump foi uma das dimensões que Dougie Knight quis frisar PEDRO JAFUNO
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Dougie Knight (Douglas Silva) chegou a Portugal, vindo do Brasil, aos dez anos. Começou por tentar cantar, depois experimentou jogar futebol e, finalmente, pôs-se a dançar. Fê-lo inicialmente em segredo, com amigos, tinha então 13 anos, às escondidas de uma mãe preocupada em colar-lhe uma vida regrada e pouco acidentada. Era um prazer proibido, mas só quando descobriu no YouTube um vídeo de Tight Eyez, cujos movimentos tentou reproduzir durante meses de forma obsessiva, é que viu no krump a liberdade de que estava sedento.

Durante algum tempo, ainda assim, sentiu-se solitário nessa sua imersão profunda num género de dança oriundo das comunidades negras e latinas de Los Angeles, paredes-meias com a vida quotidiana e o conflito entre gangues locais, e que o próprio descreve ao PÚBLICO como uma dança “não linear, fora do padrão da sociedade”. Porque, explica, "os movimentos não são feitos para ser estéticos, mas sim para ser sentidos”.

As pesquisas que foi levando a cabo na Internet levaram-no a cruzar-se com bastantes vídeos vindos dos Estados Unidos, mas reforçavam a convicção de que a cultura krump não tinha expressão por cá. Até que uma busca inocente com as palavras-chave “krump em Portugal” o levou a descobrir, por volta de 2008, a crew King Street – o primeiro grupo nacional a unir-se em torno do krump. E foi essa revelação que o levou a ir ao encontro do colectivo, que se reunia fielmente para treinar às quartas e aos domingos na Gare do Oriente, em Lisboa. Vivia-se a explosão de popularidade do krump, impulsionada por Rize, o documentário que o fotógrafo-estrela David LaChapelle dedicou a esta dança de rua.

É essa irmandade, criada no espaço da Gare do Oriente, que Dougie Knight homenageia este fim-de-semana no Teatro do Bairro Alto (TBA), em Lisboa, ao apresentar Krump Session – Ocupar o Centro e Celebrar a Sobrevivência Colectiva. Um espectáculo que decorre, no fundo, de uma primeira passagem pelo TBA, em Junho passado, quando a peça Amp’d ali se mostrou no âmbito do projecto OU.kupa, programado por Piny. Só que enquanto em Amp’d o bailarino recorria ao krump para contar a sua história, seguindo pistas autobiográficas, agora quis levar para o palco “uma celebração da vida" dos krumpers que veio a encontrar, e dos "aspectos positivos" da união que com eles forjou. “Não posso evitar as feridas – estão nos nossos físicos, na nossa expressão, nos joelhos que foram danificados.” E tudo isso que está impresso no corpo tem também de ser reclamado com orgulho.

Em duas partes

A forma que Dougie Knight encontrou para dar conta desse ADN comunitário do krump foi juntar duas partes distintas: durante os primeiros dez minutos de Krump Session, num tom que oscila entre “o artístico, o antropológico e o documental”, vemo-nos perante um vídeo filmado na Gare do Oriente (inspirado num filme de Lúcia Afonso) e encontramos nomes ligados à história do krump em Portugal, como Carlos Zagalo, Raquel Tempest ou Emerson West, a partilhar os seus percursos, enquanto, à sua frente, quatro jovens krumpers interpretam uma coreografia esboçada por Dougie Knight (a relação é evidente – há uma transmissão e uma continuação entre os dois planos); nos 50 minutos seguintes, o vídeo apaga-se e o palco assume a natureza habitual de uma krump session, dedicada a uma sucessão de participações freestyle (Aires Lion, Julien Wrestler, Nádia P. Futur, Inês Martins, Jéssica Costa, Inês Bernardo, Maria Ribeiro, Hélio Sango KAÔ, Vagner Beef, Emerson West, Stevan Bright, Gonçalo Carrapiço Boy KAÔ, Gilberto KAÔ Ujima, Maria Costa Lady KAÔ, Carlos Zagalo e o próprio Dougie Knight).

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Dougie Knight encontrou na crew King Street a sua primeira família do krump PEDRO JAFUNO

Se o vídeo cumpre a necessidade de “enaltecer os locais e as pessoas” que formam esta comunidade, tentando corrigir a forma como, descreve Dougie Knight, “as minorias aparecem nos media, como coitadinhos ou necessitados”, ao mesmo tempo que se sublinha a importância da Gare do Oriente enquanto espaço de construção de sociabilidades, a festa que se segue junta “nomes nacionais e internacionais que também fizeram diferença no krump em Portugal”. A música fica a cargo do produtor Mozarf, referência fundamental no género e um dos beatmakers chamados a participar em Les Indes Galantes, quando o encenador Clément Cogitore convocou krumpers franceses a tornar sua a ópera homónima de Rameau e seu o palco da Ópera de Paris.

A música de Mozarf é também a forma que Dougie Knight tem de garantir que a intensidade e a honestidade do krump, próprias da rua, não se perdem no palco de uma sala de espectáculos. Com a consciência de que a sobrevivência colectiva a que o título se refere dependerá, sempre, dessa relação com a rua – onde os movimentos são mais crus e livres.

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