Lideranças servidoras: um horizonte de regeneração

A escola tem de se reinventar, os professores têm de se reimaginar nas complexas tarefas de fazer aprender todos os alunos, sobretudo os que parecem não querer aprender o que a instituição prescreve.

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A liderança servidora é um modo de ver o mundo e a vida, uma forma de agir e de interagir em que o líder coloca o serviço aos outros como sua principal prioridade. Em vez de ver a sua posição de liderança como um meio de exercer a autoridade, o poder ou o controlo, o líder servidor acredita que está lá para apoiar e servir as necessidades dos membros da equipa ou da organização, tendo sido popularizada por Robert K. Greenleaf na década de 1970, através da obra seminal The Servant as Leader.

E por que motivos este tipo de liderança é particularmente relevante para ser adotada e desenvolvida nas escolas? Porque as escolas são sistema altamente burocratizadas em que as formalidades, as normas e os meios rapidamente substituem as finalidades que deveriam prosseguir, enviesando deste modo a sua missão essencial de instruir, socializar e estimular todos os que trabalham e “vivem” na organização educativa. Porque as organizações escolares são sistemas debilmente articulados onde tende a reinar a ambiguidade, a anarquia e a hipocrisia organizada.

Porque as escolas são arenas políticas onde proliferam múltiplos e divergentes interesses que, muitas vezes, colocam em crise a unidade de referência do projeto educativo adotado. Porque em diversos sistemas de ação concreta e em número indeterminado de contextos organizacionais existem lideranças tóxicas que arruínam o bem-estar organizacional, o compromisso profissional, a vontade de participar na construção de um projeto comum e o incremento das oportunidades de aprendizagem de todos os alunos.

Em cenários que podem assumir, no todo ou em parte, estas caraterísticas é muito importante que a liderança de topo e intermédia assumam uma disposição e uma prática efetivamente servidora dos fins organizacionais e das pessoas que são a água viva de qualquer organização educativa. Embora comecem a surgir profetas (retomando tese antigas do fim da escola) e que parecem sustentar “que os vossos netos hão-de viver numa ilha onde já não será necessário ir à escola como hoje [é] ir à missa” (Ivan Illich), estamos longe do fim da escola e perto de uma inevitável metamorfose institucional e profissional. De facto, a escola tem de se reinventar, os professores têm de se reimaginar nas suas complexas tarefas de fazer aprender todos os alunos, sobretudo aqueles que parecem não querer aprender o que a instituição prescreve como válido (e único). Mas não é pensável uma escola “industrial” ou “doméstica” regulada pelos mercados e por um espírito de “guerra civil” de todos contra todos. Como temos vindo a sustentar, uma outra escola é possível.

E para que a escola se possa reinventar, precisamos de professores política e socialmente reconhecidos e valorizados. E precisamos de lideranças que os impliquem na construção de projetos educativos próximos, personalizados, diferenciados. Precisamos de dar voz e vez aos alunos, professores e pais. Precisamos de construir uma comunidade educativa em que nos possamos reconhecer como seres humanos que não desistem dos valores da justiça, da compaixão, da equidade, da igualdade efetiva de oportunidade de acesso e de sucesso educativos.

Para que esta ordem mais justa possa emergir e durar as lideranças servidoras têm aqui um papel fundamental: o de criar horizonte de esperança, o de praticar uma escuta ativa, o de criar condições de aprendizagem universal. Uma agenda para este tipo de liderança pode passar pelo desenvolvimento de uma “pedagogia dos heróis invisíveis”. Há todo um mundo (diria maravilhoso) que existe no “icebergue organizacional”. Precisamos de uma liderança que o torne visível. E que pode passar por práticas sistemáticas de escuta e celebração, pela descoberta das ações meritórias que sempre existem nas organizações educativas, pela atenção, exigência e cuidado. A salvação da escolarização passa muito por aqui.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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