Digital e professores: oportunidade ou ameaça?

Tudo isto ocorre numa época em que: não há tempo; não há paciência; não há dinheiro. Há mudança amiúde nas orientações, contraditórias por vezes e necessidade de formação e aprendizagem em contínuo.

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A informação disponível em formato digital foi sendo vista nas últimas décadas como um avanço tecnológico extraordinário, que no ensino foi progressivamente usada como um recurso de apoio à aprendizagem. A sua acessibilidade através de computadores levou as escolas a criarem salas dedicadas, cheias de máquinas, em regra denominadas laboratórios, onde se familiarizam os alunos com programas elementares como o Word ou Excel, os de análise de dados ou cad-cam, por exemplo. Na sala de aula, o inevitável PC do professor e o retroprojetor, com a exposição da matéria em Power Point (Pwp) e o recurso à Internet, para múltiplos exemplos e demonstrações. Durante duas décadas, este foi o standard.

Até que o advento do smartphone (o computador de bolso) subiu a parada digital.

Os alunos passaram a ter acesso permanente à Internet, onde tudo está. O professor deixou de ser a fonte do saber, para ser um detentor da informação, a par de múltiplas outras fontes na Net; tornou mesmo possível escrutinar o professor em tempo real. A maquineta abriu a porta a um novo mundo, onde predomina o entretenimento, a informação flash, o mundo em imagens de fácil apreensão.

Logo, uma exposição teórica mais demorada passou a ser vista como “uma seca”, uma chatice, para a qual não há paciência. Logo, se o telemóvel for permitido na aula, com facilidade a assistência se desliga da exposição e entra no mundo do entretenimento. Ou nesse mundo público-privado das redes sociais, onde todos são produtores, emissores, influenciadores, fautores de experiências e tudo o mais que me escapa por não ter capacidade para o entender. O telemóvel e o seu infinito concorre com o professor na captação da atenção dos estudantes. E se houver um quadro cheio de exercícios, alguém perguntará se pode tirar uma foto, passando tudo para o digital.

Entretanto, desenvolveram-se outras ferramentas de apoio, os sistemas de registo, depósito e intercâmbio da informação (plataformas). O mesmo é usado como interface entre o professor e os alunos. Numa das funcionalidades, o docente é convidado a depositar os materiais de apoio ao estudo, naturalmente em formato digital, que fica disponível para consulta 24h sobre 24h. Para o aluno que não pode ir às aulas é ótimo; para outros, surge a questão: para quê ir a estas aulas se posso fazer a unidade curricular através de estudo autónomo? Acresce que as aulas complementares de apoio, as tutorias, podem ser lecionadas online, por Zoom ou Teams. Se ainda persistirem dúvidas, pode sempre consultar-se um tutorial na Net. Logo, as aulas tendem a perder relevância. Acresce que uma parte das matérias que o professor disponibilizou para apoio ao estudo, na rede interna da sua instituição (sebentas, Pwp, fichas de exercícios, testes de treino), por vezes aparecem, como que por milagre, partilhados em bases de dados internacionais de apoio ao estudo.

Ah, e os trabalhos? Os trabalhos individuais ou de grupo? Pois além da imparável parafernália de trabalhos homólogos, parecidos ou aproximados, que hoje existem disponíveis a nível global, eis que aparece a Inteligência Artificial no seu esplendor, capaz de fazer o dito trabalho, limpinho, limpinho.

Entretanto, para os professores, reduziram-se os apoios dos funcionários e pululam as aplicações em que é preciso colocar dados sem fim, no mundo digital.

Tudo isto ocorre numa época em que: não há tempo; não há paciência; não há dinheiro. Há mudança amiúde nas orientações, contraditórias por vezes e necessidade de formação e aprendizagem em contínuo.

Os professores e os estudantes sabem que o atrás exposto é uma forma de glosar a situação, pois muitos estudantes fazem muito bom uso destes instrumentos para a sua aprendizagem. Porém, face à evolução imparável do digital, é legitimo perguntar-nos:

  1. Não perdeu o professor uma parte do seu papel de fonte do saber e dinamizador do gosto pelo saber e descoberta? As aulas presenciais estarão ameaçadas pelas aulas pré-gravadas e disponibilizadas online? As aulas práticas substituídas por tutoriais? O quadro de professores regulares será substituído pelo professor animador/coordenador das aprendizagens? Qual a pedagogia adequada à Inteligência Artificial?
  1. Ou prevalecerá a escola/faculdade como a casa do saber e transmissão de competências? Fonte de questionamento e orientação para a tese e inovação? De presença, convívio e ambiente estudantil, essa experiência única que só conhece quem a vive? Das salas, dos anfiteatros, da sala de estudo da biblioteca, da soleira da entrada gasta de tanto ser pisada anos a fio? Continuará o modelo clássico do professor presente na sala de aula, com o digital a ser um recurso, com as suas múltiplas ferramentas, ao dispor do conhecimento e saber?

E então, caro leitor, que me diz: uma ameaça ou uma oportunidade para o professor? E para os estudantes, a questão também não é válida?

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