Clima, IA, conflitos e divisões na política: as maiores ameaças ao progresso global

Inquérito do Fórum Económico Mundial avalia as percepções de risco e diz que ganhos em matéria de desenvolvimento estão a estagnar à medida que surgem novas ameaças. Situação pode dificultar eleições.

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O Relatório sobre Riscos Globais antecede a reunião anual em Davos, que este ano acontece entre 15 e 19 de Janeiro ALLVISIONN/GettyImages
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O progresso no desenvolvimento económico global pode ser interrompido devido ao aumento dos conflitos, à aceleração dos impactos das mudanças climáticas e às divisões cada vez mais profundas na política, conclui uma análise elaborada por especialistas em risco, decisores políticos e líderes empresariais, publicada esta quarta-feira. O mundo enfrenta “perspectivas sombrias”, conclui o relatório do Fórum Económico Mundial sobre a percepção dos principais riscos globais.

Os especialistas alertaram também para o facto de a propagação de desinformação, impulsionada em parte por novas ferramentas de inteligência artificial (IA), ser um risco fundamental para as grandes eleições de 2024, que poderão comprometer a legitimidade dos novos governos.

"É como olhar para uma grande tigela de esparguete – tudo está interligado", disse Carolina Klint, do grupo de estratégia de risco Marsh McLennan, que fez uma parceria com o Fórum Económico Mundial (FEM) na sua classificação anual de risco.

O Relatório sobre Riscos Globais, habitualmente publicado antes da reunião anual do FEM em Davos (o 54.º encontro tem lugar na próxima semana, entre 15 e 19 de Janeiro), apresenta este ano uma nota pessimista sobre a capacidade cada vez menor das instituições mundiais para resolver os problemas crescentes.

Nos próximos dois anos, a desinformação e a falta de informação – uma nova categoria de risco no inquérito deste ano – foram consideradas a maior ameaça, seguidas de fenómenos meteorológicos extremos, da polarização social e da cibersegurança. Cerca de um terço das mais de 1400 pessoas inquiridas em Setembro de 2023 afirmaram ver um "risco elevado" de catástrofes globais, como desastres climáticos extremos, nos próximos dois anos.

Olhando para a próxima década, contudo, são os riscos climáticos e ambientais que estão no topo das preocupações: os fenómenos climáticos extremos são o factor de risco que levanta mais preocupações (referido dois terços dos analistas inquiridos), seguidos pelas alterações críticas nos sistemas terrestres, a perda de biodiversidade e colapso de ecossistemas, e a escassez de recursos naturais.​

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Relatório de Riscos Globais 2023/2024 Fórum Económico Mundial

"Largura de banda" para múltiplos riscos?

O vasto leque de riscos em rápido crescimento representa um grande desafio para os governos, que têm dificuldade em encontrar "largura de banda mental" para se concentrarem em riscos cruciais a longo prazo, como as alterações climáticas, afirmou Saadia Zahidi, directora-geral do FEM. Os resultados do inquérito dão uma ideia da razão pela qual pode ser tão difícil tomar medidas rápidas contra as ameaças iminentes.

O colapso dos ecossistemas e os "pontos de não-retorno" ambientais são uma preocupação de longo prazo mais importante para os líderes empresariais do que para os líderes governamentais e da sociedade civil, o que pode constituir um potencial obstáculo à adopção das medidas rápidas necessárias para os evitar.

O aumento da temperatura global desde a era pré-industrial atingiu 1,49 graus Celsius em 2023, segundo cientistas europeus, o que sugere que o limite de 1,5 graus estabelecido no Acordo de Paris será provavelmente ultrapassado, pelo menos temporariamente, já em 2024.

Os cientistas afirmam que, a manter-se um aumento da temperatura superior a 1,5°C, é "provável" que se verifiquem pontos de ruptura catastróficos nos sistemas terrestres a nível mundial, que poderão conduzir ao aumento da fome, conflitos, catástrofes climáticas, perdas de biodiversidade e subida do nível do mar.

Estes riscos, combinados com a crescente disparidade económica, as clivagens no acesso a tecnologias essenciais e outros riscos, significam que os mais pobres e mais vulneráveis do mundo poderão ficar cada vez mais "excluídos" das oportunidades.

"Poderemos estar perante o fim do desenvolvimento, [n]um cenário em que o actual nível de vida alcançado fica congelado?" interrogou-se Zahidi numa conferência de imprensa em Londres.

O relatório refere que esta situação poderá alimentar as migrações, a criminalidade, a radicalização e outros fenómenos, assim como a diminuição da confiança nas instituições.

Risco nas eleições de 2024

O risco para as principais eleições mundiais de 2024 – desde os Estados Unidos e o Reino Unido até à Índia e à Indonésia, passando pelas europeias de Junho – de conteúdos enganadores ou falsos é "significativo", afirmou Klint, responsável pela gestão de riscos da Marsh na Europa. Potencialmente, afirma, "pode levar a que a legitimidade dos governos eleitos seja posta em causa", o que pode desencadear instabilidade social.

John Scott, director de riscos de sustentabilidade do Zurich Insurance Group, outro parceiro do relatório do Fórum Económico Mundial, alerta para o facto de que, se os esforços para controlar a disseminação da desinformação falharem, "podemos acabar num mundo onde ninguém sabe em quem confiar".

Mas os esforços para controlar a desinformação podem também exceder limites, com os governos a tentarem controlar a informação "com base no que determinam ser "verdadeiro'", o que pode comprometer as liberdades relacionadas com o acesso à Internet e à imprensa, alerta o relatório.

Apesar dos cenários sombrios explorados no relatório, Zahidi afirma que estes não são inevitáveis. Algumas ameaças potenciais – como a expansão do uso da tecnologia de IA – poderiam ser aproveitadas para resolver outros problemas complexos, incluindo o cibercrime, acrescenta Zahidi.

"Sim, é uma perspectiva muito sombria. Mas não se trata, de forma alguma, de uma previsão rígida, rápida e definida do futuro. O futuro está muito nas nossas mãos", conclui.

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