Presidente do Irão promete vingança por ataque do Daesh que deixou mais de 80 mortos

O autoproclamado Estado Islâmico aproveita reivindicação para lançar campanha jihadista e apelar a mais ataques. Em Teerão, no entanto, olha-se para Israel e EUA.

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Manifestação na sequência do duplo atentado de Kerman, que deixou mais de 80 mortos e foi reivindicado pelo Daesh ABEDIN TAHERKENAREH/EPA

O Presidente do Irão, Ebrahim Raisi, prometeu vingança depois de um duplo atentado suicida que provocou mais de 80 mortos e foi o pior que a Republica Islâmica sofreu desde que foi estabelecida em 1979. As autoridades anunciaram a detenção de várias pessoas em vários locais do país.

Na quinta-feira, dia seguinte ao ataque, o Daesh (que se autoproclama Estado Islâmico) reivindicou os ataques pouco depois de o seu líder anunciar uma “campanha” de acções do grupo jihadista, que ressurge depois de meses em que não tem levado a cabo grandes acções.

O ataque atingiu uma cerimónia que assinalava o aniversário da morte do general Qassem Soleimani, que foi comandante dos Guardas da Revolução e que arquitectou a política de alianças do Irão no Médio Oriente, com apoio a vários grupos armados na região. Figura reverenciada pelos apoiantes do regime, Soleimani foi morto pelos EUA em Bagdad em 2020.

Este não é o primeiro ataque do Daesh no Irão – o grupo jihadista sunita considera os xiitas apóstatas – e, em 2022, o grupo reivindicou um ataque que matou 15 pessoas, e, em 2017, dois ataques simultâneos no Parlamento e no mausoléu do ayatollah Khomeini.

Falando nos funerais das vítimas em Kerman, o local do ataque, a cerca de 820km a sul de Teerão, Raisi declarou que os inimigos do Irão iriam “conhecer a sua força e capacidades”, acrescentando “as nossas forças vão decidir o local e altura da nossa acção”, cita a emissora pan-árabe Al Jazeera. Coros de pessoas gritaram: “Morte à América” ou “morte a Israel”.

O vice-ministro do Interior, Majid Mirahmadi, disse que foram detidos “vários indivíduos” em “cinco províncias”. Os suspeitos “apoiaram este incidente ou estão ligados a ele”, cita a agência estatal, segundo a Reuters.

Mas o jornalista Ali Hashem, da Al Jazeera, dizia que as autoridades estavam a ligar o ataque ao aumentar da tensão regional na sequência da guerra de Israel contra o Hamas em Gaza, já que ocorreu no dia após um ataque em Beirute, atribuído a Israel, que matou o número dois do bureau político do Hamas, Saleh al-Arouri, e outros cinco membros do movimento, e seguiu-se também a um ataque dos EUA contra milícias apoiadas pelo Irão no Iraque, e ainda ao assassínio, em Dezembro em Damasco, também atribuído a Israel, de um alto responsável dos Guardas da Revolução.

No entanto, um atentado como o que atingiu a cerimónia de Soleiman seria atípico para o Estado hebraico, que até agora no Irão tem levado a cabo acções centradas em pessoas, por exemplo cientistas do programa nuclear iraniano.

A reivindicação do Daesh foi também considerada credível por analistas e especialistas em jihadismo devido ao tipo de ataque (suicida, com vítimas civis, como tem feito desde o fim do "califado" que a dada altura teve na Síria e Iraque), de alvo (xiitas, numa cerimónia de um comandante de uma força que lutou contra o Daesh na Síria), e ao canal usado (o mesmo que reivindicações anteriores). Também os serviços secretos norte-americanos, citados pela Reuters, confirmam esta informação.

Foi vista como um golpe de propaganda significativo, com o porta-voz do grupo Abu Hudhayfa al-Ansari a lançar, pouco antes da reivindicação, uma “campanha” apelando a ataques sob o mote “matem-nos onde eles estão”.

“Com uma mensagem da liderança, uma reivindicação de um ataque de grande visibilidade no Irão, e uma campanha militante, todas feitas a 4 de Janeiro, o Daesh parece estar disposto a marcar um forte início de ano, especialmente a seguir a meses de actividade global reduzida”, escreveu Mina Al-Lami, especialista em media jihadistas, na rede social X (antigo Twitter).

No texto da reivindicação, o movimento faz uma ligação com o que está a acontecer em Gaza, repetindo a sua visão sobre o conflito: diz que se trata de uma guerra religiosa contra os judeus (e que o objectivo não é um Estado para os palestinianos), que os grupos palestinianos como o Hamas apoiados pelo Irão são tão perigosos para os muçulmanos como o Estado de Israel, que os governos árabes sunitas são entidades “apóstatas” igualmente perigosos e finalmente que a única forma de guerra santa é a que é levada a cabo pelo próprio grupo, enumera o especialista Aymenn Jawad al-Tamimi, do think-tank americano Middle East Forum.

O grupo mostrou que a sua visão do mundo não mudou e continua a ser “ideologicamente purista, lutando contra todos os que não partilham o seu programa político rígido”, escreveu Tamimi numa publicação no Substack, e por isso, “é marginal na geopolítica regional alargada”.

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