Pintor nacionalista substituído por colectivo ucraniano para representar a Polónia na Bienal de Veneza

Novo ministro da Cultura trocou a exposição de Ignacy Czwartos, escolhida sob o anterior Governo do Partido Lei e Justiça, por uma vídeo-performance com entrevistas a refugiados ucranianos.

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O artista polaco Ignacy Czwartos posando com a sua obra fotografia retirada da rede social Instagram de Ignacy Czwartos

O projecto que fora nomeado para representar a Polónia na próxima Bienal de Veneza —​ Experiências Polacas na Tragédia do Mundo: Entre a Alemanha e a Rússia, de Ignacy Czwartos, foi retirado por Bartłomiej Sienkiewicz, ministro da Cultura do novo Governo liderado por Donald Tusk, que considerou o nacionalismo da obra contraditório com o tema Estrangeiros em Todos os Lugares, proposto pelo curador brasileiro Adriano Pedrosa para a 60.ª edição da bienal, que decorrerá entre Abril e Novembro deste ano.

Escolhida ainda sob a anterior governação do partido da direita nacionalista e populista, Lei e Justiça, a exposição de Czwartos reúne 35 obras que evocam agressões alemãs e russas à Polónia, entre as quais uma pintura, Nord Stream 2, que mostra a ex-chanceler alemã Angela Merkel e o Presidente russo Vladimir Putin unidos por uma cruz de Santo André em chamas que sugere a forma da suástica.

Mesmo no interior do júri a escolha provocou polémica, com três juradas a votarem contra, e a publicarem mesmo uma carta aberta em que consideram que a obra de Czwartos retrata a Polónia como “um país homogéneo, fechado, centrado sobre si próprio e que assume a posição de vítima”, perspectiva que, defendem, “não reflecte de modo algum a actual cena artística polaca”. Em posteriores declarações ao jornal The Art Newspaper, as subscritoras lamentaram ainda que, “depois da arte aberta, acolhedora, transnacional, complexa”, da artista polaca de ascendência romani Malgorzata Mirga-Tas, que representou a Polónia na Bienal de Veneza de 2022, o país tenha escolhido a “mesquinhez” e a “paranóia ideológica” da obra de Czwartos.

Para substituir a obra agora preterida, Bartłomiej Sienkiewicz escolheu o projecto Repeat After Me (Repete depois de Mim, numa tradução livre), do Open Group, um colectivo ucraniano que inclui os artistas Yuriy Biley, Pavlo Kovach e Anton Varga. Com curadoria de Marta Czyż, a obra é uma vídeo-performance, originalmente filmada no campo de refugiados de Lviv, com entrevistas a um conjunto de ucranianos que foram obrigados a deixar as suas terras e casas após a invasão russa de 24 de Fevereiro de 2022.

A obra de Czwartos fora oficialmente escolhida nos últimos dias do anterior Governo, quando o partido Lei e Justiça já vencera as eleições de 15 de Outubro, mas sem conseguir uma maioria, o que levou o centrista Donald Tusk a promover uma coligação que acabou por assumir a governação. O artista já acusou o novo Governo de censura, argumentando que a sua candidatura foi escolhida de acordo com os procedimentos legais e lembrando que tinha já contrato assinado com a instituição encarregada de organizar a exposição, a galeria nacional de arte contemporânea Zachęta, em Varsóvia.

Refutando também a colagem da obra à direita populista e antieuropeísta, Czwartos sublinha: “Através de um conjunto de pinturas e outros objectos, o meu projecto apresenta a experiência polaca do choque entre dois totalitarismos — o comunismo soviético e o nazismo alemão —, mas refere-se também ao presente, sobretudo ao brutal ataque de Putin à Ucrânia. Não é de todo um projecto antieuropeu, mas uma referência às forças que destruíram a Europa no passado e a estão a destruir hoje.”

O ministro da Cultura não reagiu directamente às acusações de censura, mas emitiu um comunicado em que afirma que, “após analisar os procedimentos do concurso” para a escolha da representação polaca na Bienal de Veneza e depois de ter recolhido várias “opiniões e vozes”, “aceitou a decisão” de não dar seguimento ao projecto Experiências Polacas na Tragédia do Mundo: Entre a Alemanha e a Rússia.

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