Casais do mesmo sexo dividem melhor as tarefas domésticas. Eis o que ensinam

Comunicar, ser flexível e ir trocando as tarefas são algumas das estratégias que podem ajudar a uma divisão mais justa do trabalho doméstico. Deitar fora a ideia dos papéis de género é o início.

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É importante negociar tarefas com base nas necessidades, preferências e disponibilidade SolStock
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Quem faz quais tarefas — ou quem faz mais — é uma constante fonte de tensão para muitos casais. Desde limpar a casa de banho a levar o lixo, às vezes são as coisas mais pequenas que causam os maiores problemas.

Não sem razão. Investigação mostra que são as mulheres que continuam com a maior carga de trabalho doméstico e cuidador na maioria dos casais heterossexuais. E este trabalho desigual pode levar ao burnout, problemas de saúde e stress financeiro.

Também sabemos que casais do mesmo género fazem uma divisão do trabalho doméstico mais equitativa que os casais heterossexuais. Mas não é claro como é que estes casais fazem uma divisão mais justa.

A nossa investigação quis olhar para isto. Fizemos inquéritos a casais do mesmo sexo na Nova Zelândia e Austrália e identificamos três factores chave que permitem que os casais partilhem as tarefas de forma que ambos consideram justa.

Os casais no nosso estudo focaram-se em atingir uma ideia de justiça e equidade ao longo do tempo, mais do que uma divisão 50-50. Todos tinham diferentes padrões de divisão de tarefas. Contudo, partilharam algumas estratégias comuns que oferecem lições valiosas para qualquer casal, independentemente de orientação sexual.

Continuar a mudar as coisas

Sabemos que os casais negociarem os seus papéis com base na sua disponibilidade individual e no que gostam de fazer — ou não — contribui para uma ideia de justiça e satisfação.

Alguns casais do mesmo sexo que entrevistámos eram flexíveis na divisão de tarefas domésticas. Negociavam com base nas suas necessidades específicas, preferências e disponibilidade. A flexibilidade é a chave — se a pessoa que normalmente leva as crianças à piscina tem muito trabalho, o outro parceiro deve intervir.

Além do dia-a-dia, casais do mesmo sexo normalmente preparam-se a longo prazo, equilibrando o trabalho não pago com a progressão de carreira de cada um. Alguns casais que participaram no estudo planearam a sua vida profissional e familiar de forma a ambos os pais pudessem progredir na carreira, ao ir trocando os turnos de principal cuidador quando as crianças nasceram.

Outros reconheceram que a especialização em algumas tarefas — uma pessoa tratar sempre dos impostos, outra cozinhar sempre — podia levar à rigidez e dependência. Por isso, conscientemente tentaram evitar isto.

Comunicar

Casais que têm conversas honestas sobre as suas responsabilidades tendem a ver a divisão das tarefas como justa. Por outro lado, comunicação negativa — agressividade, crítica ou evasão — potencia um sentimento de injustiça.

Na nossa investigação, a comunicação eficiente e aberta foi a chave para alcançar uma divisão equitativa para o trabalho não pago. Mas estas conversas nem sempre são fáceis.

Casais que se sentem culpados por não fazer o suficiente em casa, ou frustração com o parceiro por não os ajudar, perceberam que conversas simples podiam tornar-se emocionalmente intensas.

Todos temos diferentes padrões de limpeza, socialização com base no género e background familiar, que moldam a forma como olhamos para o trabalho doméstico. E isto pode dificultar o entendimento da perspectiva ou expectativas do nosso parceiro.

Os casais inquiridos ultrapassavam as discussões com conversas honestas, transformando o conflito em oportunidades para um melhor entendimento.

Não se trata apenas de falar, mas também de fazer “check-ins” regulares para perceber como a outra pessoa se está a sentir acerca da carga de trabalho, e renegociar quando as circunstâncias ou sentimentos mudam.

Lembrar que o trabalho não pago é valioso

O trabalho doméstico é geralmente desvalorizado quando comparado com o trabalho pago. Estudos anteriores mostram que desvalorizar o trabalho doméstico pode diminuir a qualidade dos relacionamentos.

Casais do mesmo sexo que participaram no nosso estudo procuraram reavaliar a importância do trabalho não pago ao dar-lhe o mesmo valor que o trabalho pago. Como disse uma inquirido: “Podemos não gostar das tarefas domésticas, mas valorizamo-las igualmente. Ambos pensamos que são importantes.”

Alguns casais activamente reconheciam e valorizavam as tarefas difíceis e longas dos parceiros, como limpar a casa de banho. Também as valorizavam além da sua utilidade, vendo-as como actos de amor e tentando encontrar alegria nelas.

Um dos casais transformou as tarefas domésticas num jogo. Escreveram as tarefas em pedaços de papel que iam tirando de um saco — e onde estavam também actividades prazerosas como caminhadas ou pausas para café.

Isto não só aligeira o humor, como é também uma estratégia para envolver os filhos.

Fazer um inventário de trabalho não pago

Às vezes caímos em padrões de trabalho doméstico sem nos darmos conta. No nosso estudo, descobrimos que completar inquéritos simples e discutir pode mostrar disparidades nas responsabilidades.

Porque não tentas fazê-lo? Escreve todas as tarefas domésticas que fizeste na semana passada, incluindo as físicas (como ir às compras ou limpar), emocionais (cuidar dos filhos ou animais) e mentais (planear refeições e gerir finanças).

Estima quanto tempo tu e o teu parceiro gastaram em cada tarefa. Depois, conversem sobre quem está a fazer o quê, como se sentem em relação a isso e como pode ser mais justo.

Lições para todos os casais

Adaptar estas estratégias a casais heterossexuais não é fácil. Normas de género muito vincadas e expectativas da sociedade em relação às mulheres e aos homens podem ser difíceis de contrariar.

E é mais provável que nos casais do mesmo sexo estejam ambos a trabalhar, do que um a trabalhar e o outro em casa.

Mas esse é o desafio — redefinir e negociar o trabalho, para que ele funcione. Começa por deitar fora a ideia dos papéis de género. Depois, dialoga sobre as tarefas.

Flexibilidade, comunicação e reavaliação do trabalho não pago são estratégias que estão ao alcance de todos.


Exclusivo P3/The Conversation
Alice Beban é professora de Sociologia na Universidade de Massey, na Nova Zelândia
Glenda Roberts é investigadora e gestora de projectos na Universidade de Massey, na Nova Zelândia

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