O meu namorado comporta-se como uma criança em casa. Como lidar?

Viver com um “man child” não é como cuidar de um filho, é... “um pouco pior”. O que fazer quando o nosso parceiro não faz tarefas domésticas? E como fazer uma divisão de tarefas saudável?

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O meu namorado comporta-se como uma criança em casa. Como lidar? PCH-Vector

O que fazer quando o parceiro é tão (ou mais) dependente como uma criança? O "man child" (homem criança, numa tradução literal para português) é aquele que precisa da sua parceira para realizar tarefas quotidianas. Luana Cunha Ferreira, psicóloga clínica, terapeuta familiar e doutorada em Psicologia Clínica e da Família pelas Universidades de Lisboa e Coimbra (FP e FPCE), ajuda a lidar com o problema, que, afiança, acontece maioritariamente em "casais de géneros diferentes".

Um estudo diz-nos que só daqui a "cinco ou seis gerações" é que o trabalho doméstico vai ser equilibrado. Esse mesmo estudo, As mulheres em Portugal, hoje: quem são, o que pensam e como se sentem, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, feito em 2019, mostra que as mulheres acarretam 73% do trabalho feito em casa, mais uma hora e meia do que eles todos os dias — sobrando-lhes cerca de 54 minutos do dia para si próprias.

Há pistas que nos podem indicar se o nosso parceiro se vai comportar como uma criança em casa?

Sim. Basta observar comportamentos. Se formos jantar a casa da família do nosso namorado, como é que ele se comporta? “Fica sentado à mesa enquanto a mãe recolhe os pratos e as irmãs lavam a louça?”, questiona a psicóloga.

No dia-a-dia, podemos prestar atenção ao que a outra pessoa faz para “activamente nos facilitar a vida” – porque ser adulto numa relação “também é tentar ao máximo facilitar a vida do outro”. É importante questionar: “Este parceiro acrescenta-me algo, ou só trabalho? Nas discussões, quem faz a reparação? Quem dá mais elogios? Sou eu quem tem de planear sempre as saídas?”

As respostas são também pistas que nos dizem se o nosso parceiro tem uma boa “gestão emocional, logística e de higiene de vida”. Ninguém quer ter de ensinar ao companheiro que é preciso “comer bem, dormir horas regulares ou que fazer desporto é importante”. Ou até mesmo ter de dizer-lhe que tem de ir tomar banho: “Há mulheres que me confessam que os seus parceiros não têm uma boa higiene corporal. E creio que não há nada mais infantil do que não saber cuidar do próprio corpo”, resume Luana Cunha Ferreira.

Porque é que o meu parceiro se comporta assim?

Mais do que a educação, trata-se de um “assunto estrutural”: “A sociedade em que estamos reproduz comportamentos e atitudes que reforçam esta imaturidade dos homens”, afiança a psicóloga.

Depois, há características que vão sendo desenvolvidas e que a exacerbam. A “incompetência estratégica” é uma delas: “As pessoas fingem que não conseguem aprender a fazer melhor. Até podem fazer uma tarefa bem duas ou três vezes, mas vão fazê-la de forma medíocre.” A ideia é: se repetidamente a cama ficar mal feita, a roupa mal passada ou a louça mal lavada, a parceira vai cansar-se de ensinar a tarefa e optar por fazê-la ela: é mais fácil e eficaz. E nunca saber onde estão os detergentes é uma óptima desculpa para nunca poder limpar.

Há também uma certa “ignorância fingida”, afiança Luana Cunha Ferreira. Só uma parte do casal é que repara que “a roupa das crianças deixa de servir” ou que sempre foi a mãe quem trabalhou mais em casa?

Como lidar?

É preciso estabelecer “níveis e limites”. O que é o mínimo que exigimos numa relação? Depois de ter uma resposta, “não aceitar nada abaixo disso”.

Ao definir esses limites, é importante que estejam em consonância com as nossas “expectativas e necessidades”: “Provavelmente respondemos de forma adequada às necessidades emocionais, físicas e logísticas do nosso parceiro. Se queremos estar numa parceria igualitária, a mesa não pode estar inclinada.”

Estabelecidas as exigências, estas devem ser negociadas e transmitidas de forma assertiva.

Como fazer uma divisão de tarefas domésticas saudável?

“Torná-las visíveis”, antes de mais. Como? Escrever as tarefas que cada um desempenha em casa. “Normalmente as mulheres escrevem à volta de 30 ou 40; os homens colocam menos de dez”, refere a psicóloga.

Depois, há que dividi-las de forma equitativa. Quer seja por “competência, jeito, ou prazer”: há quem goste mais de tratar da roupa e quem prefira lidar com louça; o horário de um pode facilitar a ida às compras, e o do outro, a preparação do jantar. A dinâmica é de cada casal – o importante é que seja paritário.

A psicóloga relembra ainda que, hoje em dia, o papel do homem já não é o de “providenciar financeiramente”, e que “o que lhes é exigido tem mais a ver com a sua maturidade emocional, [com] capacidade logística, [com capacidade] de responder às necessidades e expectativas daquilo que é uma relação em casal”, aponta.

E se há muitos que ficam “chocados com as suas lacunas”, e que conseguem fazer “extraordinários caminhos” de desenvolvimento a esse nível, há ainda um longo caminho a percorrer. “É por isso que muitas mulheres, depois de se divorciarem, dizem que podem ter outras relações, mas nunca mais querem viver com um homem. O trabalho logístico não tem nada a ver com criar uma criança”, garante Luana Cunha Ferreira. “É um pouco pior.”

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