Vives com um homem que parece uma criança? Não admira que não queiras fazer sexo

Quando uma pessoa começa a sentir que tem mais uma criança dependente, não é surpreendente que isso afecte o seu desejo sexual.

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Um homem está sentado no sofá, a ver televisão. A companheira, uma mulher, prepara o jantar, enquanto está, mentalmente, a rever coisas da lista de afazeres. Isso inclui ir devolver a as camisolas que encomendou para o companheiro na semana passada e marcar uma consulta para o filho mais novo.

Ele entra e pergunta “o que há para jantar?”, depois volta para a frente da televisão.

Mais tarde, nessa noite, fica surpreendido por ela não estar interessada em fazer sexo.

As pessoas neste cenário são uma mulher e um homem. Mas podia ser uma mulher e o seu filho. As dinâmicas são muito parecidas — há uma pessoa que fornece cuidados físicos e emocionais, e outra que recebe esses cuidados e mostra pouco reconhecimento, gratidão ou reciprocidade.

Estás a ler sobre um homem que depende da sua parceira para tarefas quotidianas e que é, na verdade, capaz de as realizar. Algumas pessoas chamam-lhe o fenómeno man-child ("homem-criança", numa tradução literal).

Talvez já tenhas passado por isso. A nossa investigação mostra que é real.

O fenómeno man-child (ou o percepcionar um parceiro como alguém dependente, como lhe chamamos) descreve o esbatimento de papéis entre um companheiro e um filho. Podes já ter ouvido mulheres a descreverem os companheiros homens como seus “dependentes” ou como um dos seus filhos.

Quando uma pessoa começa a sentir que tem mais uma criança dependente, não é surpreendente que isso afecte o seu desejo sexual em relação a essa pessoa.

Dedicamo-nos a tentar perceber se isto poderia explicar o porquê de tantas mulheres em relacionamentos reportarem pouco desejo sexual.

Surpreendentemente, até ao nosso, não havia estudos que tentassem medir directamente o impacto do fenómeno "homem-criança" no desejo sexual das mulheres.

O que fizemos

Conduzimos dois estudos com mais de mil mulheres de todo o mundo, em relacionamentos com homens. Todas as participantes tinham filhos com menos de 12 anos.

Pedimos às mulheres para indicarem o quanto concordavam com frases como “às vezes sinto que o meu parceiro é como uma criança extra de quem tenho de cuidar”. Também lhes perguntámos acerca da divisão do trabalho da casa, e sobre o nível de desejo sexual em relação ao companheiro.

Encontramos evidências consistentes de que:

  • Quando as mulheres faziam mais tarefas domésticas do que os seus parceiros, eram mais prováveis de percepcionar os seus parceiros como dependentes (isto é, o fenómeno do homem-criança);
  • Percepcionar o companheiro como um dependente estava associado a um desejo sexual mais baixo.

Quando observados em conjunto, podermos dizer que os companheiros destas mulheres estavam a ter um papel pouco sexy — como o de uma criança.

Pode haver outras explicações. Por exemplo, mulheres que percepcionam os seus companheiros como dependentes podem ser mais propensas a fazer mais tarefas em casa. Em alternativa, baixo desejo sexual por um companheiro pode levar a que o parceiro seja percepcionado como dependente. Por isso, precisamos de mais investigação para corroborar estes resultados.

As principais conclusões são um retrato deprimente do que os relacionamentos podem englobar. E ainda que este fenómeno possa não existir no teu caso, reflecte desigualdades com base no género em relacionamentos.

Há um equivalente em relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo?

A nossa investigação foi apenas baseada em relacionamentos entre mulheres e homens com filhos. Mas seria interessante explorar se este fenómeno acontece em relacionamentos de pessoas do mesmo sexo ou com diversidade de género, e que impacto poderá ter no desejo sexual.

Uma possibilidade é que, em relacionamentos entre duas mulheres, dois homens ou pessoas não-binárias, as tarefas domésticas sejam negociadas de forma mais equitativa. Como resultado, pode ser menos provável que a dinâmica mãe-filho surja. Mas ainda ninguém estudou isso.

Outra possibilidade é que uma pessoa no relacionamento (independentemente da identidade de género) tenha um papel mais feminino. Isso pode incluir um maior espírito maternal e de cuidador em relação ao parceiro. Se esse fosse o caso, poderíamos comprovar que o fenómeno "homem-criança" está presente num leque mais abrangente de relacionamentos. Mais uma vez, ninguém estudou ainda isto.

Talvez qualquer pessoa possa ter este papel numa relação.

O que falta saber?

Investigação futura pode ajudar a explorar diferentes tipos de dinâmicas de relacionamentos.

Isto pode ajudar-nos a entender como é o desejo sexual em relacionamentos onde os papéis são negociados equitativamente, escolhidos e renegociados quando necessário.

Podemos descobrir o que acontece quando o trabalho doméstico é valorizado como trabalho pago. Ou o que acontece quando ambos os parceiros se apoiam mutuamente e podem contar um com o outro para as tarefas diárias e necessidades quotidianas.

As mulheres poderão ver menos os parceiros como dependentes e sentir mais desejo sexual por eles. Por outras palavras, quanto mais próximos estivermos da igualdade de tratamento mútuo, mais próximos poderemos estar da capacidade de sentir desejo sexual pelo nosso companheiro.


Exclusivo PÚBLICO/The Conversation
Emily Harris é estudante de pós-doutoramento em psicologia na Universidade de Melbourne
Sari van Anders pertence ao programa Canada 150 Research Chair em Neuroendocrinologia Social, Sexualidade e Género, da Queen's University, em Toronto

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