Elas trabalham mais 1h30m em casa e quase tanto como eles no emprego

Sete em cada dez mulheres acham que a parte que lhes compete das tarefas domésticas e dos cuidados com os filhos é justa, mesmo quando trabalham o dobro. Percepção das desigualdades é diminuta porque elas estão naturalizadas, aponta estudo.

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Entre cozinhar, passar a ferro e cuidar dos filhos, as mulheres portuguesas afectam todos os dias mais de 1h30m ao trabalho doméstico do que os homens. Isto, mesmo nos casais em que ambos trabalham fora de casa e partilham as despesas. As desigualdades na distribuição das tarefas tornam-se ainda mais vincadas quando consideramos as diferenças do tempo que homens e mulheres despendem no emprego pago: em média, eles trabalham apenas mais 27 minutos por dia.

“Enquanto as assimetrias ao nível do trabalho pago são cada vez menores, no trabalho não pago subsistem, mesmo entre os casais mais jovens, onde continuam a ser as mulheres a orquestrar a vida doméstica, enquanto eles ficam num papel de retaguarda”, aponta Heloísa Perista, coordenadora do estudo Os Usos do Tempo de Homens e de Mulheres em Portugal, desenvolvido, desde Outubro de 2014, pelo Centro de Estudos para a Intervenção Social, em parceria com a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, e que é apresentado nesta terça-feira, em Lisboa.

Feita a soma, e quando marido e mulher exercem uma actividade profissional fora de casa, as tarefas domésticas e com os filhos exigem em média às mulheres quatro horas e 17 minutos por dia, enquanto para os homens implicam apenas 2h37m. No grupo etário mais jovem (15-24 anos), a assimetria diminui ligeiramente, mas subsiste, com as jovens a registar mais 1h21m por dia do que os homens nas tarefas de casa e com os filhos.

De entre as tarefas domésticas rotineiras, 74,3% das mulheres declararam dedicar uma hora ou mais por dia a preparar refeições (contra 22,8% dos homens), 35,9% a limpar a casa (homens, 7,4%) e 10,5% a cuidar da roupa (1,4%). Antes como agora, eles dedicam-se mais a fazer compras, pagar contas, seguros e renda da casa e às reparações domésticas.

Não admira, assim, que 39,4% das mulheres inquiridas, contra 30,2% dos homens, subscrevam a afirmação “Na minha vida do dia-a-dia, raramente tenho tempo para fazer as coisas de que realmente gosto”. Ou, como explicita Ilda, numa família biparental, com filhas de 13 e 12 anos e um filho de nove: “[Tempo para mim] foi desse que abdiquei, claramente. O que me deixou algo desequilibrada. […] Leitura, trabalhos manuais, gosto de estar entretida de mãos, desde croché a jardinagem… portanto, tudo isso, ir ao cinema, ver televisão — tudo isso ficou para trás.” 

“Abdicar e ajudar são palavras-chave”, interpreta Heloísa Perista, numa primeira análise ao estudo que resultou de cerca de dez mil inquéritos e cujas conclusões serão ainda alvo de uma análise mais fina, lá para finais de Setembro. “As mulheres abdicam muito mais do que os homens do tempo para si próprias e, portanto, deixam de fazer coisas que também lhes dariam gratificação, seja sentar-se no sofá a ler um livro ou fazer jardinagem, e projectam-nas para um futuro longínquo”, prossegue.

Curiosamente, e apesar das assimetrias constatadas, o estudo mostra que cerca de sete em cada dez mulheres consideram que a parte que lhes cabe das tarefas domésticas corresponde ao que é justo. “Há uma naturalização, tanto de homens como de mulheres, relativamente ao que continua a ser socialmente esperado de si, no contexto das famílias. E daí este grau menos apurado de percepção das injustiças que rodeiam esta realidade”, aponta a coordenadora do estudo.

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Trabalho pago invade tempo livre

Num aspecto, parece haver relativa paridade entre eles e elas: ambos se queixam de que o trabalho pago vai muitas vezes para além do horário de trabalho contratualizado: 34% dos homens e 28,3% das mulheres declararam que, nos 12 meses anteriores ao inquérito, trabalharam durante o seu tempo livre para dar resposta a solicitações do trabalho, pelo menos várias vezes por mês. Dá cerca de uma em cada três pessoas trabalhadoras.

Numa altura em que, a reboque da discussão sobre a natalidade, se discutem formas de flexibilização do horário de trabalho, como as jornadas contínuas, percebe-se que o horário fixo predomina, sendo o regime para 68,2% das mulheres e 74,1% dos homens. Não surpreende, assim, que quase quatro em cada dez pessoas (38,5% das mulheres e 36,9% dos homens) considerem que o seu horário de trabalho não se adapta aos compromissos familiares, pessoais ou sociais. Sem surpresas, esta queixa ouve-se mais alto entre os que têm filhos menores de 15 anos.

Curiosamente, apesar de cerca de metade dos inquiridos considerar ser fácil tirar uma ou duas horas durante o horário de trabalho para tratar de assuntos pessoais ou familiares, a percepção da existência dessa facilidade é menor nos grupos etários entre os 25 e os 44 anos, idades em que os constrangimentos de natureza familiar associados aos filhos tendem a ser maiores.

É também para as mulheres que o trabalho pago tem maiores implicações familiares e pessoais. São sobretudo elas que referem ter-se sentido algumas vezes demasiado cansadas após o trabalho para realizarem algumas tarefas domésticas (63,4%, contra 46,6% dos homens) ou para usufruírem da sua vida pessoal (64,2% face a 52,4% dos homens).

Mesmo assim, se fossem livres de escolher a sua duração de trabalho semanal, e tendo em consideração a necessidade de ganhar a vida, 43% das mulheres referem que trabalhariam o mesmo número de horas que trabalham actualmente. “O duplo emprego e o duplo salário são, no contexto de crise e de desemprego elevado em que nos encontramos, condição preferencial, nem sempre conseguida, para se ter uma vida condigna. Mas essa não é a única razão para a valorização do trabalho pago por parte das mulheres. Em Portugal, mais do que noutros países comunitários, as mulheres tendem a valorizar a continuidade da sua participação no mercado do trabalho por uma questão de valorização pessoal, mas sobretudo de autonomia e independência material”, conclui Heloísa Perista.  

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