O ano de 2023 e o futuro próximo

2023 assistiu a uma vigoros viragem eleitoral à direita em vários pontos do Ocidente, como na Nova Zelândia, Argentina e Países Baixos. É expectável que esta tendência continue a ganhar força em 2024.

O ano de 2023 foi especialmente marcante para a democracia portuguesa, tendo terminado com a invulgar queda de um governo de maioria absoluta, na sequência da abertura do processo de investigação aos negócios do hidrogénio e lítio. A relevância e mediatismo do acontecimento não faz, contudo, esquecer acontecimentos nacionais e internacionais que continuam a impactar Portugal em termos sociais, culturais, políticos e económicos, independentemente de quem esteja ao leme da nau governativa portuguesa.

Um dos temas cimeiros foi (e é) a crise da habitação – um tema que alimentou acesos debates parlamentares e na sociedade civil, manifestações de rua e produção de legislação que se revelou infrutífera. O incipiente investimento público aliado às alterações legislativas que o setor privado encarou como desincentivadoras não resolveram o problema do lado da oferta. Do lado da procura, importa considerar que Portugal está inserido no Espaço Schengen, onde circulam livremente capitais e cidadãos de países mais ricos que querem viver em Portugal, inflacionando, inevitavelmente, o preço dos imóveis.

Antevê-se que o debate futuro sobre a crise da habitação inclua o debate de uma crise mais antiga – a crise dos salários baixos; passados quase 40 anos da adesão de Portugal à UE, é incompreensível para muitos cidadãos que a economia nacional ainda não tenha sido alvo das transformações necessárias para a criação de incentivos de mercado, que resultem no pagamento de salários ao nível de outros Estados-membros. Em suma, se o salário médio nacional estivesse alinhado com os valores praticados nos restantes países da Europa ocidental, a crise da habitação, como outras crises, não seria tão severa.

Em termos internacionais, 2023 começou com a eleição brasileira e, posterior, ataque ao Congresso do Brasil. Estes acontecimentos enquadram-se numa lógica de violenta polarização política que tem tido um impacto significativo em Portugal – um país envelhecido, marcado pelo fenómeno do brain drain e que é hoje o segundo Estado do mundo com mais imigrantes brasileiros, em termos absolutos. Com a diáspora brasileira, chegou também a política brasileira; a visita de Lula da Silva nas celebrações do 25 de Abril e a exaltação de ânimos no Parlamento e nas ruas representaram um exemplo paradigmático do confronto entre os apoiantes de Lula e Bolsonaro, apimentado pelo interesse eleitoral do Chega em ganhar o apoio de bolsonaristas.

Outro caso de polarização política próxima a Portugal foram as eleições em Espanha. O acordo entre o PSOE de Pedro Sánchez e as forças nacionalistas catalãs, contemplando a amnistia política, o perdão de 15 mil milhões de dívida à Catalunha e a possibilidade de referendar a independência da região num horizonte próximo, reacendeu as divisões entre esquerda e direita e entre regionalismo e centralismo, que marcam a Espanha desde a guerra civil. O contexto é muito diferente do português, mas os impactos deste lado da fronteira serão sempre sentidos.

O ano de 2023 ficou também marcado por uma vigorosa, e por vezes inesperada, viragem eleitoral à direita em vários pontos do Ocidente, nomeadamente na Nova Zelândia, Argentina e Países Baixos. Em 2024, é expectável que esta tendência continue a ganhar força com uma probabilidade elevada de serem registadas vitórias, ou bons resultados eleitorais, da direita radical nos EUA, na Áustria, em alguns estados alemães e também em Portugal. A 10 de março de 2024, Portugal vai a votos e, à data de hoje, todos estudos de opinião indicam uma viragem ao centro-direita, presidido pelo PSD com apoios do CDS e IL. O Chega poderá vir a ocupar a posição de kingmaker, influenciando a condução política do país e tendo o poder de manter ou derrubar o Governo. Também nas eleições europeias de 2024 é esperado um aumento significativo de deputados dos partidos europeus ID e ECR, considerando a dominante popularidade dos partidos de Marine Le Pen, Georgia Meloni e congéneres de outros países.

Em França, os duros protestos relativos ao aumento da idade da reforma relembraram os portugueses da galopante ameaça de falência do Estado social europeu, tal como o conhecemos hoje em Portugal. Trata-se de um tema central que tem entrado no debate nacional via escola pública e SNS e que, mais tarde ou mais cedo, independentemente de taticismos eleitorais, vai-se alastrar a outras áreas.

Ao interminável conflito militar entre a Rússia e a Ucrânia, juntou-se uma escalada perigosa do conflito Israel-Palestina que confirmou a já habitual falta de preponderância geopolítica de Portugal e da Europa, sempre dependente da liderança norte-americana.

Por fim, o ano de 2023 é também um ano de confirmação de duas vagas que já impactam e prometem mudar não só a dimensão política, mas a própria vida no planeta: as alterações climáticas e a transformação tecnológica, nomeadamente a Inteligência Artificial (IA).

No que respeita ao clima, 2023 revelou-se preocupante: a intrincada COP28 coincidiu com o ano mais quente desde que há registos e não existem modelos capazes de prever com total certeza como será o futuro, que se advinha cada vez mais negro. Relativamente à IA, a incerteza parece não ser menor; apesar do acordo provisório para a primeira regulação da IA na União Europeia, estão por ser definidos modelos de governance e regulação efetivos sobre as questões do uso, segurança e privacidade de sistemas de IA cada vez mais complexos e capazes de criar conteúdos realistas, por vezes indistintos da realidade, em diversas áreas, incluindo na arena política. No futuro próximo os impactos das alterações climáticas e IA advinham-se estruturais nas migrações humanas, no mercado de trabalho e também na qualidade das democracias.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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