Bolsonaro foi autor moral e intelectual dos ataques em Brasília, diz CPI

O relatório final da comissão parlamentar do Congresso pede o indiciamento do ex-Presidente e de grande parte do seu núcleo de aliados. Bolsonaro é acusado de quatro crimes.

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Ministério Público irá agora decidir se há razões para abrir inquérito judicial a Bolsonaro Reuters/MARCO BELLO
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O ex-Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, foi autor moral e intelectual dos ataques contra as instituições democráticas ocorridos em Brasília a 8 de Janeiro deste ano, de acordo com o relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Congresso apresentado nesta terça-feira. Os parlamentares pedem que Bolsonaro e vários ex-ministros e militares sejam investigados pelo Ministério Público.

Ao fim de cinco meses de investigações e depoimentos perante o Congresso brasileiro, a CPMI encarregue de apurar responsabilidades pelos ataques contra as sedes das principais instituições públicas concluiu que Bolsonaro e grande parte do seu círculo mais próximo tiveram um papel fundamental para os acontecimentos de 8 de Janeiro.

“A democracia brasileira foi atacada: massas foram manipuladas com discurso de ódio; milicianos digitais foram empregados para disseminar o medo, desqualificar adversários e promover ataques ao sistema eleitoral; forças de segurança foram cooptadas; tentou-se corromper, obstruir e anular as eleições; um golpe de Estado foi ensaiado; e, por fim, foram estimulados actos e movimentos desesperados de tomada do poder”, afirma o relatório lido nesta terça-feira pela senadora Eliziane Gama.

“O 8 de Janeiro é obra do bolsonarismo”, concluiu a relatora, confirmando o tom acusatório do documento, já antecipado pela imprensa brasileira.

A reconstrução dos acontecimentos que levaram ao ataque por centenas de apoiantes do ex-Presidente contra as sedes do Congresso, Supremo Tribunal Federal e Palácio do Planalto não permite concluir que a insurreição de 8 de Janeiro não foi “um raio repentino num dia claro de sol”. “As nuvens carregadas que anunciavam a tempestade começaram a acumular-se muito tempo antes”, afirma o relatório.

No dia do motim, Bolsonaro estava nos Estados Unidos, para onde tinha ido poucos dias antes do fim do seu mandato e apenas regressar no final de Março. Mas para a senadora os factos apurados ao longo dos últimos meses demonstram “exaustivamente” que o ex-Presidente “foi autor, seja intelectual seja moral, dos ataques perpetrados contra as instituições, que culminaram no dia 8 de Janeiro de 2023”.

Na base da responsabilização de Bolsonaro estão o depoimento do pirata informático Walter Delgatti Neto, que disse que o ex-Presidente e os seus aliados planeavam forjar uma alegada invasão de uma urna electrónica, e do interrogatório policial do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, que relatou uma reunião em que teria sido discutida a possibilidade de declaração de estado de sítio para impedir a tomada de posse de Lula da Silva.

O relatório da CPMI pede que Bolsonaro seja indiciado pelos crimes de associação criminosa, violência política, tentativa de abolição violenta do Estado democrático e golpe de Estado.

Além do ex-Presidente, é pedida a abertura de investigações judiciais a outras 60 pessoas, sobretudo ex-ministros e aliados de Bolsonaro e militares. Entre os nomes envolvidos, estão os do ex-ministro da Defesa e da Casa Civil general Walter Braga Netto, do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, do ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional general Augusto Heleno, do ex-ministro da Casa Civil general Luiz Eduardo Ramos e do ex-comandante da Marinha almirante Almir Garnier Santos.

Para a relatora, a tolerância das Forças Armadas para com as centenas de apoiantes de Bolsonaro que durante meses se mantiveram acampadas em frente a quartéis do Exército em várias cidades foi instrumental para a criação de um ambiente favorável ao ataque às instituições democráticas.

O relatório final da CPMI terá de ser votado nesta quarta-feira, embora haja a expectativa de que seja aprovado, uma vez que os parlamentares da base governamental estão em maioria. Ainda assim, os deputados e senadores bolsonaristas querem apresentar um documento paralelo em que contestam a generalidade das alegações feitas pelo relatório oficial.

Cabe agora ao Ministério Público, se assim o considerar, a abertura de inquéritos formais que visem os responsáveis apontados pela CPMI. Os trabalhos da comissão decorreram em paralelo com as investigações policiais e com os primeiros julgamentos de participantes na invasão das sedes dos edifícios públicos de Brasília.

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