No dia da energia na COP28, as renováveis deixaram os combustíveis fósseis na sombra

No dia dedicado à energia e à indústria na COP28, no Dubai, celebraram-se compromissos para o investimento em renováveis, mas a conversa continuou difícil no que toca ao fim dos combustíveis fósseis.

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O parque eólico no mar Saint-Nazaire, na península de Guerande, França Reuters/STEPHANE MAHE
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Nesta terça-feira, na conferência do clima das Nações Unidas, o dia foi dedicado à energia, indústria e transição justa — áreas em que Portugal tem já algum caminho feito em comparação com muitos países do mundo e até mesmo no contexto europeu. Não terá sido, portanto, com muito custo que Portugal se juntou a outros 122 outros países num compromisso para triplicar a produção de renováveis e para duplicar a eficiência energética. Estas duas propostas, aliás, já faziam parte do caderno de encargos levados pela União Europeia para as negociações da cimeira do clima das Nações Unidas, que acontece até 12 de Dezembro no Dubai.

“O que tivemos hoje foram progressos significativos naquilo que é a nossa ambição conjunta para sairmos desta COP com compromissos robustos ao nível da redução dos combustíveis fósseis”, assegurou a secretária de Estado da Energia e Clima, Ana Fontoura Gouveia, que lidera a delegação portuguesa nos encontros ministeriais. Nesta terça-feira, Portugal também participou numa sessão da aliança Beyond Oil and Gas, que reúne um conjunto de países determinados a eliminar os combustíveis fósseis dos seus consumos.

Houve ainda tempo para uma sessão sobre energias offshore, entre países com metas ambiciosas para a produção de energia no mar. “Sabemos, naquela sala, que a forma que temos para reduzir as emissões de combustíveis fósseis é precisamente assegurar que as renováveis se possam expandir o mais rapidamente possível”, afirmou a secretária de Estado.

“Como em tudo na vida, o que precisamos é de equilíbrios”, nota ainda. “Quando abdicamos de fontes como o carvão, algo que Portugal já fez em 2021, temos de assegurar também a estabilidade do fornecimento eléctrico e a segurança de abastecimento.”

Questões ainda por “abater”

O objectivo de triplicar a capacidade de renováveis e duplicar a eficiência energética (que consta, aliás, entre as recomendações da Agência Internacional de Energia) permite a cada um dos países ter “uma bússola” sobre aquilo que se deve fazer individualmente — depois, “cada país, dentro daquilo que são as suas características específicas, tem de encontrar o seu caminho”, nota a governante. Mas a experiência que Portugal tem partilhado é que “este caminho de avançar na produção renovável e descarbonizar tem trazido muito bons resultados económicos, atraindo investimento e emprego”.

Se as renováveis e a eficiência energética são um caminho mais consensual (se bem que o financiamento ainda seja um desafio), é precisamente no terceiro pilar da descarbonização — reduzir, de facto, o consumo de combustíveis fósseis — que os países chegam ao verdadeiro bloqueio. Neste momento, depois de alguns “tropeções”, o presidente da COP já veio clarificar a sua posição sobre a necessidade de reduzir e eliminar as emissões dos combustíveis fósseis. “Essa clarificação é muito importante, porque envia a todas as partes que aqui estão um sinal muito claro sobre a ambição”, afirma a secretária de Estado.

A União Europeia defende a eliminação dos combustíveis fósseis, mantendo apenas aqueles que contem com tecnologias de abatimento, ou seja, tecnologias de compensação dessas emissões — mas mesmo essas “devem ser usadas apenas em casos excepcionais e nos casos em que, de facto, não temos alternativas”, sublinha Ana Gouveia. Contudo, nem sempre é esse o entendimento dos países produtores de petróleo, acrescenta. Mas talvez se esteja “a perder demasiado tempo com semântica, porque o que precisamos é de acção”. “É por isso que aqui estamos, para encontrar uma linguagem que nos permita, depois, fazer o que é mais importante, que é agirmos em cada um dos nossos países.”

Do que são feitas as renováveis

A transição energética, já se sabe, não se fará sem uma transformação quase radical das estruturas tanto de produção como de consumo de energia. À medida que o mundo alinha ponteiros em direcção às renováveis, começam a surgir os desafios associados a essa aceleração.

Num painel sobre matérias-primas críticas na era da transição climática, que teve lugar no Pavilhão de Portugal na COP28, o director-geral da Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), Jerónimo Cunha, falou sobre a encruzilhada em que se encontra a expansão da exploração de matérias-primas em Portugal, com diferentes apelos. Por um lado, para acelerar os processos de licenciamento de novas minas (em particular de lítio, o “ouro branco” importante para a electrificação). Por outro, há outros apelos no sentido contrário, de haver mais cautela com novos investimentos. A certeza, afirma, é que “a procura energética vai aumentar na nossa sociedade”.

E, contudo, os desafios são já conhecidos, não apenas a nível burocrático, mas mais visivelmente no que toca ao diálogo (ou falta dele) com as populações locais. O director-geral da DGEG, contudo, refere outros casos em que foram encontradas soluções, por exemplo, na expansão da energia eólica, com a definição de compensações fixas que permitam às comunidades beneficiarem, de facto, dos investimentos no seu território.

O deputado socialista Tiago Brandão Rodrigues, presidente da comissão de Ambiente e Energia na Assembleia da República, respondeu que “tudo depende da forma como se implementam os projectos”, em particular o diálogo que é feito com as populações: “É preciso as pessoas sentirem que são envolvidas na solução, que não é simplesmente algo com que têm de lidar no seu quintal.” “Temos de compreender que as comunidades locais é que terão de lidar no seu quotidiano com estes projectos”, sublinhou.

E há ainda um assunto que fica por vezes esquecido no meio da conversa: é preciso adaptar novos e velhos projectos aos riscos trazidos pelas alterações climáticas. Aleksandra Kazmierczak, da Agência Europeia do Ambiente, alertou para a vulnerabilidade do sector energético, sendo preciso analisar os riscos associados aos eventos climáticos extremos.

A perita da AEA nas áreas de ambiente, saúde humana e bem-estar trouxe também dados do relatório “Melhorar o impacto climático do fornecimento de matérias-primas”, publicado em 2021, onde se recorda que a extracção e transformação de matérias-primas estão associadas a impactos ambientais potencialmente significativos — incluindo, aliás, a contribuição para emissões de gases com efeito de estufa (GEE). Na União Europeia, as “matérias-primas não energéticas e não agrícolas” são responsáveis por 18% das emissões de GEE associadas ao consumo.

O PÚBLICO viajou a convite da Fundação Oceano Azul

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