Afinal, o que é que entendemos por transição justa?

Ana Fontoura Gouveia, secretária de Estado da Energia e Clima, lidera a delegação da COP28 durante as negociações técnicas. “A linguagem sobre combustíveis é o tema mais difícil desta COP”, considera.

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A cimeira do Clima da ONU COP28, no Dubai, Emirados Árabes Unidos, decorre até 12 de Dezembro EPA/MARTIN DIVISEK
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Este domingo foi um dia de estreias na COP28. Além de haver, pela primeira vez, um dia dedicado à ligação entre saúde e clima, aconteceu também a primeira reunião de ministros sobre a transição justa, descreveu a secretária de Estado da Energia e Clima, Ana Fontoura Gouveia, que após a partida do primeiro-ministro assumiu a liderança da delegação portuguesa na COP28, que acontece até 12 de Dezembro no Dubai. A eliminação gradual global de combustíveis fósseis sem tecnologias de captura de carbono ("unabated") não será um mau negócio, acredita.

O assunto da transição justa não é novo na agenda de eventos das cimeiras do clima das Nações Unidas, mas nunca tinha ocupado a agenda de discussões ministeriais que acontecem nas salas de reunião. “Não deixa de ser curioso que estejamos na COP28 e tenha sido a primeira vez que tivemos uma reunião de alto nível ministerial sobre transição justa. É muito impressionante, não é? Andamos a falar de quê, se não foi de transição justa? Talvez isso explique também muita coisa”, comenta ainda a governante.

Na reunião inaugural, todos os países concordaram que a transição tem de ser justa. “O problema é depois o que é que entendemos por essa transição justa”, notou a secretária de Estado.

Um dilema sem “abatimento”

Sobre a inclusão do fim dos combustíveis fósseis na declaração final da COP28, um dos temas mais debatidos nos bastidores desta cimeira, Ana Fontoura Gouveia sublinha que é muito cedo para fazer bons prognósticos. Reconhece que “a linha que pode, eventualmente, permitir-nos um consenso será a questão de, até 2050, assegurarmos que não temos ‘unabated fossil fuel emissions’”, explica a governante, ecoando a proposta definida pela União Europeia.

No que toca à indústria dos combustíveis fósseis, é preciso acelerar um “processo equilibrado”, já que a indústria tem um papel a cumprir, assim como os países que são ricos em combustíveis. “O que quer que seja que alcancemos, tem de ser em diálogo com eles, defende Ana Fontoura Gouveia.

“A linguagem sobre combustíveis é o tema mais difícil desta COP”, resume mesmo a secretária de Estado. Mas reitera: “O ‘unabated fossil fuel emissions’ é um óptimo compromisso e, na verdade, é algo que nos permitiria a todos atingir os objectivos que pretendemos.”

Reduzir com cuidado

Abstendo-se de comentar as declarações do presidente da COP28, Sultan Al Jaber, proferidas numa sessão no final de Novembro e noticiadas este domingo, Ana Fontoura Gouveia recordou que o governante dos EAU “tem demonstrado ser sensível à necessidade de envolver a indústria e à necessidade de acelerar a descarbonização”.

Mas mesmo que se mantenha a referência ao “unabated sem “abatimento”, ou seja, permitindo emissões que contem com captura de carbono ou outras tecnologias semelhantes , há outros compromissos de que a UE também não abdica. “Neste momento, o que nos diz a Agência Internacional de Energia é que é preciso triplicar as renováveis, duplicar a eficiência energética e outra das coisas que o relatório diz é terminar com novas centrais a carvão.”

Se Portugal já fez o seu caminho de transição e encerrou as centrais a carvão, em países até mesmo no contexto da Europa, no Leste europeu, onde existe uma indústria associada à produção de electricidade a partir do carvão, é mais difícil fazer este caminho de forma rápida porque há questões sociais que se levantam. “Se procurarmos acelerar em demasia, podemos acabar por atrasar definitivamente o processo”, alerta a governante.

Na União Europeia, precisamente, “transição justa” é sinónimo de preparação das regiões industriais para o encerramento das indústrias com mais emissões no caso de Portugal, as regiões das centrais termoeléctricas do Pego e de Sines e da refinaria de Matosinhos , apoiando a requalificação dos trabalhadores e procurando novas actividades económicas que sustentem as regiões.

“Não podem ser escolhas, têm de ser soluções”

Contudo, na COP28, o significado de "transição justa" é muito mais lato. “Temos os países menos desenvolvidos a exigir mais financiamento para os seus próprios processos de transição”, descreve Ana Fontoura Gouveia. Nas nações onde a própria industrialização não chegou, a transição justa implica também receberem apoio para poderem fazer crescer as suas economias sem recorrerem aos combustíveis fósseis. Neste momento, ainda muitos precisam escolher entre desenvolvimento, justiça social ou descarbonização. “Não podem ser escolhas, têm de ser soluções que, na verdade, se complementam”, descreve a secretária de Estado.

“Ao mesmo tempo, temos muitos países a defenderem que as soluções de transição justa têm de ser definidas localmente. Foi essa a intervenção que nós próprios fizemos: que as transições têm de ser definidas localmente, ao nível do município, da região, porque só os municípios sabem não só as suas dificuldades, mas também quais são as suas oportunidades, o potencial do território”, descreveu Ana Fontoura Gouveia.

Já para os grandes produtores de petróleo, desde a Venezuela aos países do Golfo, a transição justa poderá passar por conversas difíceis, tendo em conta que economias inteiras estão em causa.

O PÚBLICO viajou a convite da Fundação Oceano Azul

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