Lítio: maldição e risco

A ‘maldição dos recursos naturais’ só pode ser combatida através de métodos de comunicação eficazes que permitam transferir para o terreno o conhecimento científico atual nestes domínios

Ouça este artigo
00:00
03:52

A mais recente crise política, desencadeada pela mega-operação do Ministério Público a membros do ainda atual governo, gerou alguns textos que relacionam os casos em investigação, associados à exploração de lítio e aos investimentos para a produção de hidrogénio verde, com a “maldição dos recursos naturais.

Este conceito é suportado pelo historial da exploração de recursos naturais, minerais e não minerais, em países do continente africano e sul-americano ou, mais genericamente, em Estados com democracias frágeis e menos sólidas que as instituições portuguesas. Ao contrário do que possa parecer, a maldição dos recursos naturais não é um conceito desenvolvido pela opinião pública, mas sim apoiado por trabalhos científicos publicados em revistas científicas internacionais, principalmente na área da economia, e que são revistos e validados por pares.

As suspeitas criadas sobre o modo como a potencial exploração e produção de lítio em Portugal, e sobre os investimentos em infraestruturas para a produção de hidrogénio verde em Sines, serão avaliadas pelas instituições competentes para o efeito. No imediato, as ações levadas a cabo no passado dia 7 de Novembro têm o potencial de comprometer o papel central que Portugal pode, e deve, desempenhar em contexto europeu na produção de matérias-primas críticas, como por exemplo lítio ou o cobre.

Estes recursos minerais são essenciais para a transição digital e energética verde, e estratégicos para a União Europeia em vários domínios. Os recursos minerais críticos não são apenas necessários para fazer cumprir os objetivos propostos nas várias Conferências das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP), mas também para a segurança interna da união e para o alívio da dependência de países estrangeiros onde os direitos ecológicos, sociais e laborais são ignorados.

Foto
O lítio é considerado um elemento importante para a transição ecológica ADRIANO MIRANDA

É também minha opinião que a maldição dos recursos naturais só pode ser combatida através de métodos de comunicação eficazes que permitam transferir para o terreno o conhecimento científico atual nestes domínios (também ele validado por pares e publicado em revistas científicas internacionais).

A comunicação entre investidores, entidades que gerem um determinado recurso e as comunidades envolvidas deve ser bilateral, regular e próxima. Este trabalho exige um esforço partilhado que deve ser liderado de forma clara pelas instituições públicas e privadas promotoras deste tipo de investimento em conjunto com as unidades de investigação nacionais, e internacionais, que desenvolvem trabalho nas áreas da engenharia de recursos minerais e energéticos.

A divulgação de pareceres, relatórios técnicos e avaliações de impacte ambiental de forma esporádica, e que são frequentemente herméticos para os cidadãos sem formação nas áreas de interesse, não se coaduna com as necessidades atuais de justiça climática, social e laboral que as operações relacionadas com a prospeção e exploração de recursos naturais exigem.

Ao contrário do que será a perceção pública, a Avaliação de Impacte Ambiental da Mina do Barroso, que resultou numa Declaração de Impacte Ambiental favorável à exploração de lítio no norte do país, esteve cerca de três anos em desenvolvimento até à divulgação do resultado final em Maio de 2023. Este tipo de estudos exige equipas multidisciplinares compostas por peritos nacionais e internacionais em diferentes áreas do conhecimento relevantes para a tomada decisão.

O produto final é complexo e exige conhecimento transversal em várias áreas do conhecimento da engenharia e das ciências da Terra. O seu desenvolvimento autónomo e desligado das populações que virão a ser potencialmente afetadas leva à criação de suspeitas por partes das populações locais que, de um dia para o outro, se veem ameaçadas e que facilmente relacionam a decisão final, positiva ou negativa, com pressões pouco lícitas dos parceiros envolvidos.

Se, para quem trabalha em avaliação e quantificação de risco, a quantidade e qualidade da informação é o melhor aliado, naturalmente o mesmo se coloca para quem eventualmente poderá sofrer as consequências de uma determinada decisão. O conhecimento científico e a tecnologia necessária para a transição energética verde, sustentável e que respeite os direitos humanos existe, e está pronta para quem tiver vontade de a usar. Ficou, para já, a faltar a sua implementação.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Ler 3 comentários