Faz-nos falta uma primeira-ministra...

Será que uma mulher que desempenhasse no momento, o cargo de primeira-ministra ou Presidente da República não dedicaria uma palavra, publicamente, à mulher Marina Machete?

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A miss Portugal Marina Machete ficou no TOP 20 do concurso Reuters/JOSE CABEZAS
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... Ou uma Presidente da República. Certo é que precisamos de mais mulheres na vida política, de uma maior representatividade do género feminino nas bancadas onde literalmente se decidem vidas. Quando as mulheres são afastadas ou se afastam dos cargos de decisão e poder, são elas as principais prejudicadas, e com inferior frequência, as desigualdades que lhes dizem respeito são debatidas, tais como: a divisão desigual de tarefas domésticas e familiares ou os estereótipos de género que perduram.

Há poucas semanas, na Islândia, a primeira-ministra Katrin Jakobsdóttir resolveu ficar em casa, aderindo à greve, convocada por sindicatos, pelo fim da desigualdade salarial e da violência baseada no género. O impacto da greve refletiu-se em escolas fechadas, transportes públicos atrasados, hospitais com falta de pessoal, quartos de hotel por limpar e muitos outros serviços afetados pela ausência de profissionais do género feminino que, em 2023 continuam a ter de lutar contra a violência baseada no género. Aliás, este combate é uma das medidas prioritárias do Governo de Katrin Jakobsdóttir. Neste contexto, importa recordar que segundo dados da União Europeia de 2022, a percentagem de mulheres na política nunca atingiu os 50%.

Em Portugal, quando ligo a televisão ou oiço rádio, raras vezes sinto que um chefe de Estado ou de Governo dirija particularmente o seu discurso às problemáticas que continuam a afetar, mormente, as mulheres. Ainda esta semana, a notícia de que as mulheres têm pensões 43% mais baixas do que os homens e de que a diferença se agravou numa década, pouco eco teve nas vozes dos nossos políticos. E recorde-se que em março de 2022, era anunciado em Portugal, com pompa e circunstância, que António Costa apostava num Governo paritário. Todavia, e surpreendentemente, com novas eleições legislativas à porta, os nomes que se perfilam para assumir o cargo de primeiro-ministro, são nomes, sem surpresas, masculinos.

Na lógica da representatividade, este fim-de-semana, senti orgulho ao ver aquela mulher portuguesa, Marina Machete, desfilando em San Salvador, com um vestido alusivo à Implantação da República, acabando por integrar o top 20 da competição de Miss Universo. E se as redes sociais nos dão a perceção de que a maioria ataca esta mulher, considerando-a inferior às outras, pelo facto de ser uma mulher transgénero, numa espécie de second life, a realidade, acredito eu, será bem diferente.

As redes sociais não são o espelho perfeito dos portugueses. Mal seria. Ainda assim, faltou na praça pública, quem efetivamente, com protagonismo e mediatismo suficiente, tivesse uma palavra de encorajamento, de incentivo, de empatia para com esta mulher. O único discurso que infelizmente teve eco, foi um discurso que fez exatamente o contrário do que era suposto. Gostava, por exemplo, de ter visto Marques Mendes comentar na SIC a participação de Marina Machete. Ganharia certamente alguns haters, mas o silêncio dos bons, vai contribuindo para que a voz dos agressores se sobreponha à voz da empatia e humanidade.

Será que uma mulher que desempenhasse no momento, o cargo de primeira-ministra ou Presidente da República não dedicaria uma palavra, publicamente, à mulher Marina Machete, principalmente depois de ter percebido todo o contexto de cyberbullying a si direcionado? Concluo, então, que nem todos nos sentimos representados. E eu, enquanto mulher, sinto um silenciamento dos homens, políticos, relativamente a muitas temáticas, que eu gostaria de ver abordadas. Mas talvez a culpa não deva morrer solteira. Também os média, onde se continuam a verificar desigualdades de género, quer na produção, quer nos conteúdos, devessem dar mais eco ao que realmente importa, e menos destaque aos decotes que ainda nos causam gripe.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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