Produção de cinema e TV em Portugal ainda é marcada pela disparidade de género

Estudo A Condição da Mulher nos Sectores do Cinema e do Audiovisual em Portugal, da associação MUTIM, foi apresentado esta quarta-feira em Lisboa.

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Daniela Ruah nas filmagens do telefilme Os Vivos, o Morto e o Peixe Frito Nuno Ferreira Santos

A disparidade de género ainda persiste no audiovisual português. Esta é uma das conclusões do estudo A Condição da Mulher nos Sectores do Cinema e do Audiovisual em Portugal, promovido pela associação MUTIM - Mulheres Trabalhadoras das Imagens em Movimento, e apresentado esta quarta-feira num encontro em Lisboa. O estudo está integralmente disponível no site oficial da associação.

No panorama da produção cinematográfica e televisiva nacional, as mulheres ganham, em geral, menos do que os homens e progridem mais devagar nas carreiras. Acresce a esse viés a existência de casos de discriminação de género, assédio e racismo, e o recurso "persistente", nas obras de cinema e audiovisual feitas em Portugal, a estereótipos sobre o género feminino. Também a pluralidade de representação de género e de outras identidades é deficitária.

O estudo, coordenado pela investigadora Catarina Duff Burnay, partiu de um inquérito respondido por 515 pessoas que trabalham no sector (363 mulheres, 143 homens e nove que se identificam como não-binárias ou preferiram não responder), complementado com entrevistas a dez mulheres e com uma análise dos resultados de concursos de apoio financeiro do Instituto do Cinema e Audiovisual.

Segundo o estudo, a precariedade é transversal a homens e mulheres, constituindo "um dos principais factores de stress" neste meio. Mas 59% das mulheres não auferem anualmente mais do que 14.999 euros brutos, sendo que a proporção de homens no mesmo escalão baixa para 40%.

Das mulheres que responderam ao inquérito, cerca de 60% disseram que desistiram da carreira "com a chegada da maternidade". "O equilíbrio entre a vida familiar e o desempenho da profissão é apontado como um objectivo muito difícil de alcançar", lê-se no estudo.

Outro dado relevante, que já tinha sido revelado em Março, aquando da apresentação do relatório preliminar, é que, do total de mulheres que responderam ao inquérito, "41.6% foram vítimas de discriminação de género, 37,6% foram vítimas de assédio no local de trabalho e/ou no desempenho de funções, 7,5% foram vítimas de xenofobia e 1,4% foram vítimas de racismo".

O relatório diz que há também uma tendência para a "infantilização da mulher pelo homem" e que se verificam traços de "solidariedade/'clubismo'" dos profissionais do sexo masculino, "em particular por parte daqueles que ocupam posições de decisão". É algo que "não é visto" como "discriminação 'aberta', mas como um facilitismo".

Os homens tendem também a começar a carreira mais cedo dentro da área, continuando a haver funções, "em especial as mais artísticas e as técnicas", que "continuam a ser desempenhadas", na sua maioria, "por homens".

Nas entrevistas, as profissionais contactadas fizeram "menções explícitas a assédio moral ou físico" e relataram ter conhecimento de, ou mesmo presenciado, casos concretos.

Os inquiridos, em particular as mulheres, reconhecem ainda que "as narrativas produzidas e realizadas na actualidade não são plurais em termos de representações de género e de outras identidades, recorrendo, de forma persistente, aos estereótipos". O "desempenho de papéis subalternos por parte da mulher, em especial nas produções televisivas" é um dado que parece consensual entre profissionais do meio, refere o estudo.

O desequilíbrio de género entre homens e mulheres também se verifica em cargos de topo nos grupos de media com canais televisivos em sinal aberto: "Os conselhos de administração, assim como outros órgãos de gestão próprios de cada grupo, são integrados, maioritariamente, por homens. Isto também se verifica, e até de uma forma mais acentuada, nas direcções de produção e programação."

Analisados 16 concursos de apoio financeiro do ICA, referentes a 2022, o estudo revela que o volume de candidaturas apresentadas por homens é "substancialmente superior" e que "existem concursos em que nenhum projecto liderado por uma mulher é financiado".

"Os júris destes 16 concursos são, na sua maioria, constituídos por homens (56,25%) e, embora se constate uma evolução positiva desde 2018 (50% dos júris foram constituídos maioritariamente por homens e em 25% não existia qualquer elemento do género feminino), não se verifica, de todo, uma paridade", conclui-se.

Em Março, a investigadora Mariana Liz, da MUTIM, explicava à agência Lusa que este estudo "pode servir para desenhar políticas públicas novas ou que tenham em atenção uma óbvia desigualdade neste sector".

O estudo foi promovido pela associação MUTIM, em parceria com o Centro de Estudos de Comunicação e Cultura e o Laboratório para Estudos de Comunicação Audiovisual da Universidade Católica Portuguesa.

A apresentação deste estudo insere-se no primeiro Fórum MUTIM sobre desigualdades de género no cinema e audiovisual que começou esta quarta-feira e termina na sexta-feira no Goethe Institut, em Lisboa.

Para este fórum foram convidadas, por exemplo, representantes de associações de realizadores, argumentistas, de produtores, da Academia Portuguesa de Cinema, da Comissão para a Igualdade de Género, investigadoras e ainda Verónica Fernández (Netflix Espanha e Portugal), Iris Zappe-Heller (Instituto de Cinema da Áustria) e Sara Mansanet Royo (Associação de Mulheres Cineastas de Espanha).

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