Os 1% mais ricos do mundo poluem mais do que os 66% mais pobres: taxem 60% da sua fortuna, pede ONG

O colapso climático e a desigualdade estão ligados. Os 1% mais ricos produzem tantas emissões como 66% do resto da humanidade, diz relatório da Oxfam, que defende taxa de 60% dos seus rendimentos.

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Estragos do supertufão Haiyan nas Filipinas: os países mais vulneráveis a efeitos das alterações climáticas são também os mais pobres Erik De Castro/REUTERS
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A Terra tem mais de oito mil milhões de habitantes e apenas 1% estão na classe dos mais ricos. Mas este 1% produziu tantas emissões de dióxido de carbono (CO2), o principal gás com efeito de estufa, como 66% do resto da humanidade mais pobre, ou seja, cinco mil milhões de pessoas. Estes números, relativos a 2019, são avançados num relatório da organização não-governamental britânica Oxfam, que defende taxar os milionários para financiar o desenvolvimento de energias renováveis.

O documento defende que a redução radical da desigualdade é necessária para uma acção climática transformadora capaz de salvar o planeta e garantir bem-estar a todos. “Este relatório da Oxfam torna isto claríssimo: o colapso climático e a desigualdade estão ligados e alimentam-se um ao outro. Para ultrapassarmos um destes fenómenos, temos de ultrapassar ambos. Não são assuntos separados”, escreve, num prefácio, a activista ambiental Greta Thunberg.

Se tudo continuar como agora, em 2030 as emissões de gases com efeito de estufa do 1% mais rico da humanidade serão 22% mais elevadas do que o limite considerado seguro – ou seja, que o CO2 na atmosfera não provoque um aumento um aquecimento global acima de 1,5 graus. Em comparação, as emissões de metade do resto da população global estarão a um quinto do nível compatível com o aquecimento de 1,5 graus, bastante abaixo, portanto.

O relatório traça um cenário sombrio, num momento em que cientistas do clima e activistas tentam chamar a atenção para os efeitos devastadores que as alterações climáticas estão já a ter sobre as comunidades vulneráveis e muitas vezes pobres do Sudeste Asiático, África Oriental e outros pontos do planeta.

Dois graus

Segundo dados preliminares, avançados no X (ex-Twitter) por Samantha Burgess, vice-directora do Serviço de Alterações Climáticas do Programa Copérnico (C3S, na sigla em inglês) da União Europeia, sexta-feira o planeta pode ter alcançado um marco temido, com a temperatura média global a chegar a dois graus acima dos níveis registados antes da Revolução Industrial. Este é o limite máximo previsto pelo Acordo de Paris, tendo em conta que as alterações climáticas que acarreta serão já mais significativas do que com 1,5 graus.

“Se não reduzirmos rapidamente as emissões, vamos esgotar a quantidade de carbono que podemos emitir sem provocar o colapso do clima dentro de apenas cinco anos”, recorda o relatório da Oxfam. Mas o papel dos ricos e super-ricos do planeta (os 1% e 10% com maiores rendimentos) no colapso do clima não está suficientemente documento, diz a organização. “Compreender o seu papel é essencial se queremos estabilizar o planeta e garantir uma vida boa para toda a humanidade”, considera o documento.

“Os super-ricos estão a pilhar e a poluir o planeta ao ponto da destruição, deixando a humanidade a sufocar em calor extremo, inundações e seca”, afirmou o director executivo interino da Oxfam International, Amitabh Behar, num comunicado de imprensa. A organização apela ao “fim da era da riqueza extrema”.

O que a Oxfam pede não é novo, mas é uma causa que os activistas climáticos não deixam cai: taxar os super-ricos e usar esse dinheiro para investir em energias renováveis. “Uma taxa de 60% sobre os rendimentos dos 1% mais ricos permitiria cortar as emissões numa quantidade superior ao total do carbono emitido pelo Reino Unido e recolher 6,4 biliões de dólares por ano para investir na transição energética, abandonar os combustíveis fósseis e passar para as energias renováveis”, salienta o relatório.

Influência dos ricos

Os super-ricos são fundamentais para o clima de três maneiras, diz a Oxfam: através do carbono que emitem pelo consumo na sua vida quotidiana, incluindo nas suas viagens de jacto privado e estilos de vida luxuosos; através dos seus investimentos em indústrias poluidoras (como a petrolífera) e interesses velados no status quo económico; e através da influência indevida que têm sobre os media, a economia e a política.

Curiosamente, ou talvez não, os mais ricos têm uma enorme influência na política, porque deixamos nas mãos deles as decisões sobre os grandes temas internacionais. “Por exemplo, a análise da Oxfam mostra que todos os senadores dos Estados Unidos, que ratificam tratados climáticos em nome dos EUA, têm um salário que os põe no top 1% dos emissores de carbono em termos globais”, diz o relatório. Os comissários europeus também estão este grupo – na verdade, ganham quase o dobro anualmente do que os senadores norte-americanos.

Mas muitos membros do Congresso dos EUA têm acções de empresas de combustíveis fósseis também, estima-se qe o valor de 93 milhões de dólares, o que sugere um conflito de interesses, no que toca a legislar sobre acção climática.

“Nada disto é surpreendente, mas é crucial”, disse ao Washington Post David Schlosberg, director do Instituto Ambiental da Universidade de Sydney, na Austrália. Com a conferência do clima das Nações Unidas deste ano a aproximar-se (a COP28, no Dubai, que começa a 30 de Novembro), o relatório da Oxfam oferece uma forma diferente de discutir a justiça climática para além do tema sensível de como as nações industrializadas têm contribuído para as alterações climáticas, diz.

“Este tem sido um assunto importante na justiça climática – os países não querem pagar pelo que fizeram no passado”, explicou Schlosberg. “Portanto, o que é interessante neste relatório é que diz, O.K., não vamos falar sobre responsabilidade histórica, mas sobre a responsabilidade actual”, considerou.

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